Uma casa para Athos

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Severino Francisco

Athos Bulcão e Lelé Filgueiras formaram uma dupla tão afinada quando a de Federico Felini e Nino Rota, Glauber Rocha e Villa-Lobos, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Romário e Bebeto. Nenhum artista moderno realizou tantos projetos de arte-integração em uma cidade.

Athos é referência nacional e internacional. O mesmo é possível dizer de Lelé Filgueiras, distinguido com homenagem durante a Bienal Nacional de Arquitetura de Veneza de 2014. Muitos arquitetos consideram que a arte só deveria entrar em um prédio depois que ele estivesse pronto.

Não era essa a visão de Lelé. Ele entendia que as intervenções de Athos não eram meramente decorativas, elas interferiam em sua concepção de arquitetura. Não se tratavam de meros quadros para serem dependurados nas paredes. “Só faço projetos para o Athos preencher com arte, para ele fazer bonito”, costumava brincar Lelé.

Com Lelé, Athos realizou relevos, divisórias e painéis no Hospital Regional de Taguatinga, nas secretarias do Tribunal de Contas da União em Salvador e outras capitais; e nos hospitais da Rede Sarah em Brasília e em outras capitais. Essa parceria estreitou os laços de amizade entre o artista e o arquiteto. Lelé não vinha uma vez a Brasília sem conversar com Athos.

Em 2 de junho de 2009, na passagem dos 90 anos de Athos Bulcão, na gestão de José Arruda, o GDF fez a doação simbólica de um terreno no Setor de Difusão Cultural, próximo à Torre de TV, para a construção definitiva da sede da Fundação Athos Bulcão. Valéria Cabral sugeriu o nome de Lelé para fazer o projeto e, quando o consultou, recebeu a resposta: “Farei com muita hora”.

Orlando Taurisano, dono da Disbrave, se ofereceu para pagar o projeto, mas Lelé recusou: “Não, você paga a fundação. Estou fazendo o projeto para um grande amigo”. Lelé desenhou um belíssimo projeto que, se fosse construído, se tornaria em um mais um ponto de referência da integração arte-arquitetura em Brasília.

Mas o lote foi desdoado pelos governos seguintes e Athos se viu relegado à condição de sem-teto na cidade que criou e da qual é o mais importante artista. A consequência é que a Fundação vivencia grave crise financeira, que ameaça da sua sobrevivência.

Athos doou um acervo composto por mais de 700 obras para a Fundação que leva seu nome. Mas, além de prezar pela manutenção dessas obras, a Fundação desenvolve uma série de projetos importantes para a formação de crianças, jovens e adultos, para que essa riqueza se torne acessível e partilhada por todos os brasilienses.

É a Fundação que zela pelo cuidado com as mais de 260 obras públicas de Athos em Brasília. Ela mantém uma lojinha com produtos decalcados da obra do artista, que é ponto de visita obrigatória de estrangeiros na cidade. No entanto, com os preços estratosféricos dos aluguéis no Plano Piloto, a Fundação Athos Bulcão vive uma situação desesperadora que ameaça a sua sobrevivência.

A Fundação lançou uma campanha para que os brasilienses ajudem a manter vivo o legado de Athos Bulcão. É importante colaborar. Mas é preciso também lutar para que Athos tenha direito à sede definitiva de sua fundação. É uma vergonha para Brasília tratar um artista que ajudou a criar a cidade e a representa com tanta dignidade com tamanho descaso. PS: o endereço da campanha para se tornar amigo de Athos é: www.catarse.me/fundathos

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