Severino Francisco
Ser de Brasília tornou-se quase que um selo de qualidade na área da música. É difícil um grande cantor não ter um instrumentista brasiliense em sua banda. E isso se deve a quatro instituições: a Escola de Música de Brasília, o Departamento de Música da UnB, a Escola de Choro Raphael Rabello e a Escola da Noite.
O guitarrista, violonista e produtor Toninho Maya, que nos deixou na semana passada, aos 59 anos, vítima da covid-19, pertencia à Escola da Noite, mas transitava por todos os gêneros e todos os espaços. Era um instrumentista requintado, mas não recusava convites. Tocava tanto jazz quanto rock, MPB, blues ou gospel.
Não é exagero dizer que ele esteve, de alguma maneira, presente nos momentos mais importantes da história musical da cidade nas últimas décadas. A sua morte é uma perda muito grande para a cultura brasiliense. Mas não tenhamos medo de falar da morte, ela nos humaniza, os ausentes queridos nos unem.
Mesmo quando acompanhava Zélia Duncan, Leila Pinheiro, Cássia Eller, Dinho Ouro Preto, Eliete Negreiros, o toque da guitarra de Toninho se destacava no fundo. Era um craque da cozinha e também da linha de frente instrumental.
Lembro das magníficas performances de Toninho no grupo jazzístico Chacras, nos gramados dos Concertos Cabeças, ao lado de Jorge Helder, no baixo, Renato Vasconcelos, nos teclados, e Rodolfo Cardoso, na bateria. Além disso, Toninho esteve no primeiro plano da cena com Adriano Giffoni, Vidor Santiago, Rênio Quintas, Sérgio Galvão e Lula Galvão. A maioria deles ganhou destaque nacional.
Ele teve relevância como instrumentista e como produtor. Criou o estúdio Artimanha, que se tornou referência para a música brasiliense nas décadas de 1980 e 1990. Lá, fez gravações com Os Raimundos, Rosa Passos, Luciano Fleming, Maskavo Roots, Pato Fu, Renato Matos, Adriano Faquini e Célia Porto. Ademais, era uma pessoa muito generosa. Ensinava, dava dicas e deixava os músicos guardar os instrumentos em seu estúdio.
Nascido em Abaetetuba (PA), Toninho Maya era apaixonado pela música desde pequeno. Filho de um professor da UnB, ele cresceu na Colina, uma das fontes do jazz e do rock candango na década de 1980. O poeta Francisco K, também filho de professores e morador da Colina, acompanhou a evolução do amigo. Toninho era um moleque brigão, mas se transformou em um adolescente afável, com humor único, compreensivo e carinhoso, sem perder a mordacidade jamais.
Embora nada tivesse a ver com o punk, se tornou a grande referência musical da Colina, o grande guitarrista do pedaço, admirado e amigo de Renato Russo, Fê Lemos e a turma do rock. Habitava um espaço intermediário entre os roqueiros hippies e os punks. Aos poucos, foi se distanciando para se tornar um grande guitarrista de estilo jazzístico, envolvendo-se, ao mesmo tempo, profundamente, com a MPB.
Era impressionante Toninho colado o dia todo no violão, indo ao banheiro com ele, depois com a guitarra. Aprendia tudo sozinho ou extraía rapidamente o que precisava de quem tocava a seu lado. Os shows do grupo Chacra abriram o caminho para que Toninho decolasse uma carreira e tocasse com grandes nomes da música em Brasília e no Brasil.
Que venha logo a vacina para que não tenhamos novas perdas de vidas. Todas são preciosas. Ele estava no ápice da forma aos 59 anos. E que Jimi Hendrix e Jim Hall recebam Toninho com um solo sideral de guitarra.
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