Teatro Nacional

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Fui ao dentista no quinto andar do Conjunto Nacional e contemplei uma cena triste: parte da cobertura do Teatro Nacional Claudio Santoro estava com os vidros quebrados. A decadência de um dos monumentos mais importantes de Oscar Niemeyer, em uma cidade tombada como patrimônio cultural da humanidade, é algo que revolta.

As excelências podem argumentar que investir na reforma da pirâmide é um luxo quando existem outras prioridades tão mais urgentes quanto a saúde pública ou o combate à fome. Mas basta uma mirada ao redor para constatar que o argumento é falacioso. A assistência social e a saúde padecem da mesma precariedade, basta ver o que acontece nos hospitais públicos ou nas filas do chamado Cras.

E também não é verdade que falta dinheiro. Enquanto o Teatro Nacional cai aos pedaços, as excelências insistem no absurdo projeto do Museu da Bíblia, ao custo de 26 milhões, com indícios de que fere a escala bucólica do Eixo Monumental. Do total, 14 milhões viriam de emendas parlamentares de deputados distritais e o restante do GDF.

E o que dizer do absurdo projeto Brasília iluminada, a decoração de Natal na Esplanada dos Ministérios, executado em 2021, que custou 14 milhões, também concedido por emenda de um deputado distrital, que foi alvo de questionamentos pelo Ministério Público por superfaturamento. Durou um mês e o que sobrou daquele fogo fátuo em plena tragédia sanitária e social da pandemia?

O BRB firmou, também, acordo com o Flamengo para lançar o programa Nação BRB Fla, que oferece atendimento bancário em plataforma digital com produtos de identidade personalizada para torcedores do clube rubronegro. Os jogadores do Flamengo estampam a marca BRB no uniforme. O custo é de R$ 32 milhões por ano.

E não é só isso: mais recentemente, a Terracap transferiu a gestão do Autódromo Internacional de Brasília para o BRB, em um acordo de cooperação técnica, para revitalização do espaço, que prevê investimentos de R$ 60 milhões. Nada contra ações de marketing ou de reformas a espaços importantes para uma cidade que se destacou no automobilismo, como é o caso do Autódromo Internacional de Brasília Nelson Piquet.

No entanto, essas decisões são reveladoras das prioridades e de como os governantes ignoram a singularidade de Brasília ser uma cidade tombada como patrimônio cultural da humanidade. A situação do Teatro Nacional é vergonhosa. Desde 2014, a pirâmide está abandonada e se tornou um monumento ao descaso. É uma declaração de desamor à cidade.

É um dos monumentos mais inspirados de Niemeyer e de maior força simbólica na capital. O arquiteto imaginou a pirâmide futurista em perfeita conexão com a espacialidade de Brasília: “As pirâmides do Egito talvez não fossem tão belas e monumentais sem os espaços horizontais sem fim que as realçam e modificam conforme a luz do dia”, escreveu Niemeyer. “Lembro de uma fala do poeta Rainer Maria Rilke: a planície tudo engrandece.”

O teatro toca o céu como se isso também fosse planejado por Niemeyer. É uma obra aberta, em parceria com o sol, pois se renova a cada instante pela incidência da luz nos relevos inventados por Athos Bulcão, que cria efeitos cinéticos surpreendentes. A integração da arquitetura com os jardins de Burle Marx é primorosa.

Por quê os governantes e os parlamentares nunca fizeram uma articulação para reformar o Teatro Nacional, como a que fazem em favor do Museu da Bíblia? É algo que envergonha Brasília. O Ministério Público precisa, urgentemente, olhar para o Teatro Nacional. Restaurar a pirâmide de Niemeyer deveria ser um ponto de honra para os parlamentares e para os governantes.

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