Soldado amarelo

Publicado em Crônicas
Crédito: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press. Lourenço Cazarré ganhou 12 prêmios nacionais com suas ficções.

 

Severino Francisco

 

O nosso escritor gaúcho-brasiliense, Lourenço Cazarré, é um contador de histórias de mão cheia. Ele já ganhou 12 prêmios nacionais de literatura. Ganhou tantos prêmios que alguns escritores cogitaram entrar com uma ação no STF contra Cazarré. Como diria Paulo Francis, atenção, massas, riam, isso é uma piada.

 

Pois bem, Cazarré acaba de lançar o primeiro romance diretamente na rede Amazon, com o título de O soldado amarelo (O inferno não tem arremate). O nome do livro é inspirado, obviamente, no célebre personagem do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, o soldado amarelo, que aplica uma surra humilhante e traumática no vaqueiro Fabiano.

 

Credito: Reprodução/Confraria dos Bibliófilos do Brasil. Ilustração de Glênio Bianchetti para o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

 

O Fabiano da ficção de Cazarré é o personagem chamado Professor Só-aos-sábados. O narrador de O soldado amarelo é um policial militar acusado de ter batido em um professor que, 20 anos antes, foi professor do governador do Estado. Para safar-se da acusação, o sargento entrelaça essa agressão ao professor com uma tocaia sofrida, na mesma data, pelo prefeito da cidadezinha do interior onde mora.

Em uma longa conversa com o governador do Estado, esse sargento da Força Pública usará do seu domínio retórico da língua portuguesa (obtido quando policiava as galerias da Assembleia Legislativa) para se salvar de uma provável punição.

 

 

Crédito: Mila Petrillo/CB/Reprodução/D.A Press.  Graciliano Ramos: ato de coragem. 

 

O ponto de partida de Cazarré foi um depoimento de Graciliano a seu filho Ricardo, publicado com o título Graciliano – Retrato fragmentado. Ele se baseou em fato verídico de um atentado sofrido por Graciliano, nos tempos em que era prefeito de Palmeira dos Índios. Vale a pena evocar a história pouco conhecida do cabra alagoano.

Certo domingo, depois do almoço, numa tarde bonita, Graciliano foi com a mulher, Heloísa, ao cinema. Ela estava grávida. Pegaram o automóvel e ganharam a estrada. No melhor momento, quando o tempo ficou fresco, no pôr-do-sol, abruptamente, atiraram em Graciliano. O para-brisa do Ford se estilhaçou com seis tiros: “Gente ruim, uma peste de pontaria”, comentou Graciliano. “Não acertaram ninguém”.

 

Crédito: Felipe Fortuna/Reprodução. Caricatura de Graciliano Ramos, no traço de Fortuna.

 

O chofer do prefeito Graciliano respondeu com uma descarga de revólver para todos os lados. Depois do susto, Graciliano percebeu que eram dois sujeitos de tocaia. Um fugiu, o outro se escondeu embaixo de uma pontezinha, chamada de mata-burro no interior do país. Graciliano caiu para cima dele, sem nenhuma arma, na mão, o agarrou e trouxe preso. Deixou a mulher em casa e levou o atirador para a delegacia.

 

Lá, o sujeito apanhou muito, mas não disse nada sobre os mandantes. Graciliano passou por lá e intimou: “Fale ou não fala nunca mais”. O filho Ricardo perguntou: “Estavam batendo nele?”. Graciliano replicou: “Não, estavam lhe passando a mão na cabeça. Que é que você queria? Ele tinha vindo me assassinar. Podia ter matado sua mãe com você dentro. Eu ia conversar com ele em francês?”

 

 

 

 

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