Severino Francisco
A reabertura da Sala Martins Pena me reacendeu as memórias sobre grandes momentos vividos no Teatro Nacional. E um dos mais memoráveis foi o show de João Gilberto em 1995. Mas, claro que a lembrança dele desencadeia uma série de histórias lidas ou ouvidas.
A nossa colunista do CBPoder Ana Maria Campos contou que os pais dela eram vizinhos de João Gilberto no Rio de Janeiro. Certo dia, o porteiro do prédio insinuou ao cantor baiano que estava fazendo aniversário, certamente, na expectativa de receber alguma grana de presente. Talvez o funcionário imaginasse que, por ser famoso, o ilustre músico era rico. Pois bem, ao ouvir a notícia sobre o aniversário, João pediu um tempo, subiu ao apartamento, voltou empunhando o violão, dedilhou o instrumento e entoou em compasso de bossa nova: “Parabéns pra você/Nessa data querida…” É possível inferir que talvez o funcionário tenha ficado frustrado com o presente.
Miucha, a irmã mais velha de Chico Buarque, era fã de João Gilberto. Em 1960, aos 23 anos, ela partiu rumo a Paris, levando o violão e os discos de bossa nova. Entre eles, havia dois de João Gilberto. Além disso, ela alimentava fantasias mirabolantes sobre o cantor baiano. E, entre elas, segundo o biógrafo Ruy Castro, o de casar-se com João. Por um daqueles lances jogado pelos deuses, depois de um show que fazia na boate La Candelária, com Violeta Parra e o conjunto Los Incas, Miucha foi procurada por uma pessoa dizendo que um brasileiro assistira ao show e queria conhecê-la.
Logo, ela o reconheceu pela voz. Era João Gilberto. Depois do show, todos se atulharem em um carro e saíram para aproveitar a noite em outros lugares. João soprou no ouvido de Miucha para que se sentasse na outra extremidade do banco traseiro perto da porta onde ele ficaria.
A criatividade extra-musical de João Gilberto revelou-se pouco depois para Miucha, quando os dois foram convidados a entrar num automóvel apinhado, com Violeta e os vários incas, para esticarem em outros lugares pela noite. João sussurrou para Miucha que ela se sentasse perto da porta no banco traseiro. No primeiro sinal vermelho, o carro parou e os dois saíram correndo, sumiram na noite de Paris e iniciaram um namoro.
Em 1995, assisti na Sala Villa-Lobos a um memorável show de João Gilberto. Mas nem tudo começou bem. O espetáculo estava marcado para as 20h, mas na hora exata nada de João aparecer. Passaram-se 10 minutos, 20 minutos, 30 minutos, 1 hora, 1 hora e 30, 1 hora e meia. A plateia já havia ficado irritada, passou a vaiar e a exigir a presença do cantor. Ninguém queria a devolução do ingresso, ninguém abria mão de ver o toque genial do violão e o canto sussurrado do menestrel baiano.
Mas eis que, depois do atraso de 1h30, João Gilberto, em carne e osso, aparece no palco e senta-se em um banquinho para metade de aplausos e metade de vaias dos mais impacientes e, àquela altura, indignados espectadores. De sua parte, João foi humilde e explicou: “Me desculpem, eu estava no hotel assistindo ao jogo do Botafogo”. Detalhe: na verdade, consta que João torcia para o Vasco.
A indignação ainda estava solta no ar. No entanto, logo ele começou a dedilhar no violão, extrair sons ritmados como se fosse de uma batucada e a sussurrar os versos de Bahia com H: “Dá licença, dá licença meu senhor/Dá licença, dá licença pra ioîô/Eu sou amante da gostosa Bahia, porém/Pra saber seus segredos serei baiano também/Dá licença de gostar um pouquinho só/A Bahia eu não vou roubar, tem dom…” A raiva foi embora em dois minutos e se transformou em êxtase por quase duas horas de show memorável na Sala Villa-Lobos, apesar da acústica longe sofrível, que precisa ser reparada de vez com a nova reforma.
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