Severino Francisco
O besouro bioiluminescente é um dos fenômenos mais belos e singulares do Cerrado. Ele é uma espécie de primo do vagalume e se reproduz dentro de cumpimzeiros. Quando se junta parece que um pedaço da abóbada celeste cintilante desceu até a terra. Exigem uma luz verde para atrair as presas. Alguns insetos e animais têm a capacidade de produzir luz fria e visível. Os cientistas nomearam essa capacidade de bioluminescência.
No entanto, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Carlos mostra que, nos últimos 30 anos, houve uma queda exponencial no número de besouros e larvas que vivem nos cupimzeiros no Cerrado. O foco da pesquisa é o Parque Nacional das Emas e as fazendas do entorno da unidade de conservação goiana. Nunca a coleta de exemplares foi tão rara, dizem os pesquisadores ao Correio.
E por quê isso aconteceu? Segundo os pesquisadores, a quantidade de besouros diminuiu, drasticamente, em decorrência da substituição de áreas nativas do pelo cultivo da soja e da cana-de-açúcar, além da redução geral do Cerrado. Desde o começo da pesquisa, há 30 anos, foram registradas 51 espécies. Além disso, os pesquisadores alertam que os pesticidas e a iluminação artificial também contribuem para a redução dos insetos luminosos.
É triste a diminuição dos insetos luminosos, mas é alnda mais preocupante o que motiva essa devastação. Enquanto o governo comemora a queda do desmatamento da Amazônia em 50%, a degradação no Cerrado subiu a 43% em 2023. E isso ocorre porque existe uma aberração permissiva do Código Florestal. Na Amazônia, os proprietários de terras só podem desmatar 20% do território; no Cerrado, a situação é inversa, os proprietários podem usar 80% da área para exploração da agricultura ou da pecuária.
Preservar a Amazônia e degradar o Cerrado é uma estratégia suicida, afirmou, em entrevista ao Correio, Isabel Figueiredo, bióloga e coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). É no Cerrado que brota do Cerrado para sobrevivermos, seja para matar a sede, seja para gerar a energia elétrica que ilumina e aquece (ou resfria) as cidades.
Oito das doze principais bacias hidrográficas do Brasil têm origem no Cerrado, cujo solo absorve as águas das chuvas que vêm da Amazônia e se infiltram pelas raízes profundas das árvores cerratenses e se armazenam nos aquíferos. “Ao degradar o Cerrado, estamos degradando o nosso futuro, pois faltará água.”, alerta Isabel.
Lula está equivocado em barrar as restrições a comercialização de produtos agrícolas em propriedades desmatadas que a União Europeia quer adotar para firmar um acordo com o Mercosul. Sem isso, será difícil impedir a degradação do Cerrado. Devastar é um projeto suicidário para o agronegócio, pois ele necessita de água para plantar. O Cerrado precisa entrar, com urgência, na agenda política. E, mais, em uma articulação internacional para que seja protegido. Não há mais tempo para tergiversação. Já estamos em uma dramática contagem regressiva para que os efeitos da mudança climática sejam irreversíveis.
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