Saltimbancos candangos 2

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Quando Hugo Rodas, o nosso bruxo emérito do teatro morreu, algumas pessoas perguntavam: “Mas e, agora, como fica o legado dele, que trabalhava com uma arte presencial e efêmera?”. Pois bem, o legado mais imediato de Hugo é a trupe Agrupação Teatral Amacaca, um grupo de atores jovens extremamente talentoso. Com eles, Hugo encenou uma das montagens mais memoráveis do teatro em Brasília: Os saltimbancos. Na verdade, é uma remontagem de outra montagem clássica do próprio Hugo, premiada como melhor espetáculo de teatro para crianças no país em 1977.

Ao assistir a peça a primeira ideia que me veio à cabeça foi essa: todo brasiliense tinha de ver Os saltimbancos. Esse espetáculo deveria circular por todas as escolas do DF. Eu já ia reclamar que a peça podia ser reapresentada, mas ela está novamente em cartaz.

Se você precisa receber um jato de alegria, de humor, de eletricidade, de lirismo e de energia, não pode deixar de ver a remontagem de Os saltimbancos, com a Agrupação Teatral Amacaca, agora sob a direção invisível de Hugo Rodas, em cartaz no Teatro da Caixa, neste e no próximo fim de semana.

Como diz um texto de apresentação da trupe Amacaca, ele é o nosso guru das artes do movimento, que é o músculo onde funda o seu discurso poético e é o que o espectador deve apreciar. E, de fato, Hugo só acreditava nos deuses que saibam dançar.

O som vem de longe. Mas logo a algaravia toma conta do espaço e dos corpos. A trupe dionisíaca da Agrupação Teatral Amacaca arma a sua investida: “A sua orquestra/É uma festa/Que vem chegando saltimbanca/pra encantar os corações/Guerreiros da beleza e da alegria/Ô bate palma pra saudar a companhia.”

É um time que não joga para zero a zero. Atua sempre no ataque. Ataque de humor, de lirismo, de humanismo, de ritmo e de graça. Tudo transcorre com grande vigor, dinamismo e intensidade. Eles são os próprios saltimbancos candangos. Orquestra que dança, dançarinos que contam histórias, atores que fazem acrobacias, contadores de histórias que cantam.

O que impressiona na trupe Agrupação Teatral Amacaca é a força com que cada integrante toma a cena. Ninguém entra com energia meia-boca. Entra com toda força corporal e anímica para atropelar a indiferença, a insensibilidade, o tédio e a tristeza. Em cada ator/bailarino/músico transpira uma fé inquebrantável no teatro e na arte, capaz de mover montanhas de desesperança.

É o sopro ou o berro do mestre dionisíaco Hugo Rodas. Mesmo quando tinha 80 anos, era um adolescente nato, diante dele, todos se tornavam caretas. Utilizou a peça Os saltimbancos para propor um ritual de comunhão para todas as idades. Construiu um espetáculo para nos lembrar que somos animais alegres, animais imaginosos, animais brincantes. Não importa o que acontecer, todos juntos somos fortes.

A trupe Amacaca dança, canta, conta histórias e faz acrobacias. Entrei uma pessoa e sai outra depois do espetáculo, revivescido, reenergizado e revitalizado. Os saltimbancos é um espetáculo que renova a nossa fé na arte, na solidariedade e no humano. É só a arte que nos salva. Não bebo nada de álcool, no entanto, sai do teatro meio alterado, com a sensação de ter tomado um bom vinho. Evoé, Hugo Rodas, evoé, Amacaca!

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