Severino Francisco
O professor Rogério Costa Rodrigues é uma referência inescapável quando se fala em cinema na cidade. Ele é uma das pessoas que inoculou a paixão pela arte cinematográfica em pelo menos duas gerações de brasilienses. As suas aulas, palestras e apresentações de filmes eram acontecimentos culturais. Rogério recitava planos inteiros dos filmes de John Ford, Eisenstein, Kurosawa, Glauber Rocha, Júlio Bressane ou Sganzerla de maneira semelhante a que os jovens do século 19 decoravam os sonetos dos poetas românticos.
Além disso, dominava um amplo repertório da literatura, das artes plásticas e da música. Mas não era um erudito que replicava o que tinha lido. Ele tinha um olhar crítico original, sempre provocador, irônico, sarcástico, mas elegante, democrático e afetuoso. Não ficava em cima do muro. Ao ser indagado sobre o que havia achado de uma mostra de filmes olhou para os lados para ver se tinha alguém conhecido e fulminou: “Nêgo, um horror. Mas não diga nada porque conheço muitos autores”.
Rogério cresceu sob o fascínio do cinema americano hollywoodiano. Dizia que havia aprendido a nadar com Ester Williams. No entanto, não ficou paralisado no deslumbramento com o glamour. Ao entrar em contato com as vertentes mais experimentais do cinema moderno, ele se tornou um defensor poderoso e persuasivo das propostas audaciosas, encantando as plateias com argumentos inteligentes, engenhosos, divertidos e sedutores.
Se Rogério fosse professor da UnB agora, sou capaz de apostar que ministraria boa parte de suas aulas no Cine Brasília. Era um crítico e um pensador do cinema, que nos emprestava novos olhos para ver os filmes clássicos ou os contemporâneos. Funcionário do Senado, conseguiu requisição da UnB para lecionar a disciplina Eleha, Elementos de estética e história da arte. Morreu em 2005, mas deixou um legado de paixão pelo cinema em muitos brasilienses que foram seus alunos ou que assistiram a suas palestras.
Ao longo de uma vida, em grande parte, dedicada ao fascínio pelo cinema, Rogério acumulou um vasto acervo de livros, revistas, filmes em VHS e álbuns com fotos raras de atrizes e atores. Tudo estava guardado pelo professora Letícia Rodrigues, sobrinha de Rogério. Há fotos fantásticas de Marilyn Monroe. Mas um grupo de ex-alunos, amigos, críticos de cinema e cineastas, liderado pelo arquiteto Marcelo Montiel, resolveu resgatar esse acervo e colocá-lo à disposição para consultas.
Por enquanto, conseguiram uma sala na Editora Thesaurus para abrir o acervo. Brasília perdeu parte preciosa de sua memória em razão do descaso. O acervo de Lucio Costa está em Portugal. A única coleção completa do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, editado por Reynaldo Jardim, está no Moma de Nova York. Perguntei ao diretor do Moma sobre qual a relevância do SDJB para os EUA e ele respondeu que se tratava de uma referência da arte contemporânea.
Já imaginaram se os objetos de Renato Russo estivessem na 508 Sul? Muitos chegantes da cidade iriam visitar o espaço. E o que dizer do acervo de Vladimir Carvalho, doado a UnB e nunca apropriado pela instituição. É preciso retirar do papel o projeto da Cinemateca de Brasília. Todavia, não basta construir o prédio, como fizeram com a Biblioteca Nacional.
É necessário criar uma estrutura de cargos e salários dignos para contratar profissionais competentes. O argumento de que não há dinheiro suficiente e a prioridade deve ser a área social é falacioso. Não falta dinheiro para viadutos, túneis, museus da Bíblia e outras obras questionáveis. Quem não cuida da cultura, não cuida também da saúde, da educação, do turismo ou do trabalho. Se Brasília não zela por sua memória, quem zelará?