Severino Francisco
Fui professor do curso de jornalismo em uma faculdade particular durante oito anos. Ao longo do período, em todas as disciplinas que ministrei a primeira tarefa que passava era escrever uma crônica. Eu tinha em mira conhecer melhor cada um. A crônica revela a alma.
Surgiam narrativas muito inventivas. Uma das mais interessantes foi a história de uma simpática senhora idosa que roubava mamões da espécie papaya em uma mercearia da Asa Sul. Os proprietários da lojinha logo descobriram o delito da senhora e ficaram muito constrangidos com a situação e sem saber que atitude tomar.
No entanto, em face do fato de que a senhorinha continuou a surrupiar as frutas com a maior inocência, eles resolveram entrar em contato com a família. Fizeram uma proposta extremamente vantajosa: concederiam um desconto grande nas compras do mamão, ela não precisaria roubar; podia simplesmente comprar.
Cientes dos acontecimentos, os familiares interpelaram a senhorinha e levaram a sugestão da mercearia. Ela era uma mulher religiosa convicta e praticante. Não faltava a nenhuma missa. E, precisamente por essa razão, alegava não poder abrir mão dos furtos. Argumentou que tinha conduta moral impecável. Então, necessitava arrebatar os mamões, pois, só assim ganharia o direito de se confessar. Era o único pecado que cometia.
E a outra história que elegi como uma das melhores teve como tema um misterioso “professor de loucura”. No primeiro dia de aula, o professor de loucura entrou na sala e começou a expor seu plano de ensino. Antes de tudo, explicou no que consistia a disciplina da qual era titular: “Sou professor da disciplina loucura. O que constitui essa estranha disciplina?, indagou o lunático professor.”
E ele mesmo respondeu: Loucura consiste em conhecer as principais vertentes e fontes da cultura brasileira e internacional, numa relação crítica. Conhecer, conviver e tornar-se íntimo dos personagens mais brilhantes da humanidade de todos os tempos. Inventar uma internet espiritual. Combater o culto da ignorância. “Resistir ao espírito de rebanho e de Maria-vai-com-as-outras e tornar-se um ser singular. Adquirir autonomia de estudo e tornar-se um verdadeiro autodidata. Extrair o que havia de melhor em cada um”.
Os alunos ouviram, mas ao tomar ciência do plano de ensino, informaram ao quixotesco personagem: “Professor, acho que o senhor se enganou e entrou na sala errada. Ninguém aqui está interessado nesta disciplina”.
E, ao entregar os comentários, levei tremendo susto: a autora disse que escrevera o texto em homenagem a meu “esforço dramático” em transmitir o conhecimento. Contou que a minha presença era polêmica, provocava comentários desencontrados: “É inteligentíssimo”. Ou: “Ele é louco”. Ou: “Viaja na maionese”. Ou: “Não, ele é lúcido, estuda para falar.” Entendia que eu “atirava pérolas aos porcos”. Só uns 20% aproveitavam.
Retifiquei que apenas a primeira parte da frase estava correta. Tentava compartilhar o que havia aprendido de mais precioso. Tentava fazer a minha parte. O que as pessoas fariam com isso era da responsabilidade delas. Mas sempre deixava aberta a possibilidade de que eu tivesse errado em algum ou em vários momentos. Educar é difícil e dramático, e exige autocrítica permanente.