Severino Francisco
Em 1999, Fernanda Montenegro, a mãe de Fernanda Torres, havia concorrido ao Globo de Ouro e não ganhou o prêmio, que merecia por sua interpretação memorável da personagem pungente de Dora que lê as cartas do menino Josué. O Brasil pode ter se desapontado, mas Fernanda não se enganou, não alimentou falsas expectativas e, em lance de mestra, ensinou que os prêmios são acidentes em nossas vidas profissionais.
É isso mesmo, o importante é que cada um faça o que lhe cabe, com amor, na medida do seu talento. E que os deuses joguem seus dados. Claro que é bom o reconhecimento, se vier. Mas, se não acontecer, que cada um siga o seu caminho. Existem grandes atrizes que nunca ganharam um troféu.
Na cerimônia de premiação, nada indicava que Fernanda Torres ficaria com o Globo de Ouro de melhor atuação em filme estrangeiro, pela interpretação de Ainda estou aqui, a primeira brasileira a ser distinguida com o prêmio. As câmeras não passaram por sua mesa, ela não foi mencionada nas brincadeiras sem graça dos apresentadores.
Furar a bolha dos prêmios internacionais, principalmente os que envolvem a indústria audiovisual norte-americana, não é fácil. Mesmo que, no caso, o júri seja constituído por uma associação internacional de críticos de cinema. Fernanda disputou atrizes extremamente talentosas do naipe e da projeção estelar de Nicole Kidman, Angelina Jolie, Pamela Anderson e Tilda Swinton. O lobbie da indústria do cinema é muito forte, mas o impacto do filme e da interpretação tocante de Fernanda foram maiores.
Fernanda ficou feliz, mas se portou com dignidade, diferentemente de algumas atrizes e atores agraciados. Sim, o troféu é agradável, mas é estranho que se torne o ápice da vida de um ator. O prêmio é importante, não para o deslumbramento pessoal de Fernanda, mas, sim, por chamar a atenção dos brasileiros e do mercado internacional para o talento dos atores e dos diretores do cinema brasileiro.
Lança o foco de luz sobre Ainda estou aqui, um filme que revela, de maneira pungente, os efeitos devastadores de uma ditadura militar na vida de uma família brasileira. Sem panfletarismo, o filme toca o dedo na ferida e mostra a coragem de uma mulher brasileira em resistir e batalhar pela justiça. De certa forma, a vitória de Fernanda no Globo de Ouro é também a redenção de Eunice Paiva, a mãe de Marcelo Rubens Paiva e a viúva do deputado Rubens Paiva.
Imagino que, a esta altura, os extremistas estejam alegando que a votação para Fernanda Torres foi fraudulenta, pois não houve checagem do código fonte ou planejem uma CPI para investigar o processo de escolha do Globo de Ouro. Mas o fato é que, mesmo admitindo o acidente feliz evocado por Fernanda Montenegro, o prêmio suscita um efeito positivo na relação do cinema brasileiro com o mercado internacional.
E talvez um outro olhar sobre o regime que devastou uma família brasileira para que a memória da infâmia permaneça viva e essas atrocidades nunca mais se repitam. Foi o filme certo na hora certa. É muito bom quando o Brasil é Brasil.
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