Passeio ciclístico

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Só não sou ciclista por causa da insegurança da cidade. Com as retas intermináveis, os horizontes abertos, a vegetação e a fauna singulares, Brasília é uma permanente tentação para montar em uma bicicleta e sentir o vento batendo no rosto. Mas existem empecilhos: a selvageria do trânsito, a ausência de estímulos para uma cultura da bike, a falta de uma política pública de mobilidade urbana articulada entre vários veículos de transporte e a descontinuidade das ciclovias e ciclofaixas.

Mesmo assim, a cidade reúne, cada vez mais, uma legião urbana de ciclistas apaixonados. Jovens, adultos, idosos, crianças e famílias inteiras fazem passeios pelos parques, nas ciclofaixas dos gramados ou no Eixão, quando ele é fechado para os carros.

É inescapável a lógica rodoviarista em todas as cidades. Quanto mais viadutos, mais carros nas ruas, mais poluição, mais engarrafamentos, mais velocidade e mais acidentes. Como diz o título de livro para as crianças da ONG Rodas da Paz: pedalar é suave.

Durante duas semanas, o festival Cine Bike celebrou no CCBB a bicicleta, com a exibição de filmes brasileiros e estrangeiros, a realização de palestras para debater problemas de mobilidade urbana, a promoção de oficinas para as crianças aprenderem a pedalar e apresentação de shows musicais para o êxtase estético. O Cine Bike foi inspirado em eventos semelhantes que ocorrem em Nova York, em Xangai, em Montevideo e em Tóquio.

Mas, amanhã, é dia da festa do encerramento e a organização do evento convida a todos, crianças, adolescentes, adultos e idosos para participar de um passeio ciclístico para celebrar o simples prazer de andar de bike pela cidade, às 9h, no CCBB. Não esqueça de levar o capacete. No fim do passeio, todos serão convidados para uma grande festa junina.

A segurança está garantida pela escolta do Detran-DF, que organizou um circuito de 6km, 3 de ida e 3 de volta. É uma festa sobre duas rodas inclusiva. O grupo DV na trilha, de deficientes visuais, participará do passeio ciclístico, sob os cuidados especiais da equipe do Detran-DF.

Circular de bike permite apreciar mais de perto e com mais vagar as belezas da cidade-parque. Quem anda de bicicleta não precisa de preocupar com malhação. Faz tudo no pedal. Melhora a circulação, oxigena as células, toma sol e torra calorias. É possível observar as corujas, as araras, as curicacas ou os tucanos. É uma outra cidade que se abre aos olhos do passante.

Brasília tem um calendário floral que funciona durante todo o ano e chega a subverter as estações. Na época de esplendor da floração dos ipês, os alumbramentos são ainda mais intensos. Além disso, os que andam de bike fazem muitos amigos nas aventuras cotidianas em cima das bicicletas. Quem monta em uma bicicleta muda a consciência sobre o meio ambiente, a mobilidade, a sustentabilidade e o respeito ao outro nas ruas.

As excelências têm tanta dificuldade em formular políticas públicas para os ciclistas porque transitam em carrões importados, com cascata artificial e filhote de jacaré, segundo Nelson Rodrigues, o nosso profeta do óbvio. Quando começarem a pedalar o olhar deles mudará. O passeio ciclístico pretende mostrar que a utopia das bicicletas é plenamente viável.

Brasília tem tudo para ser uma referência para o Brasil em termos de mobilidade urbana que incorpora as bikes. A bicicleta insinua na dureza das cidades a leveza, a suavidade, a contemplação e a humanidade. Sim, bicicletai, bicicletemos.

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