Palácio Itamaraty

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

    O professor emérito de arquitetura Frederico Holanda viu Brasília, pela primeira vez, em 1960. Ele tinha 16 anos, chegou em um fusquinha, no meio às nuvens de poeira. Pensou que conhecia a cidade por fotos, porém o contato direito foi muito mais impactante. Viu os edifícios meio soltos no cerrado, sob o céu estrelado do planalto. Como esta arquitetura é possível, em que planeta ele estava?, indagou-se.

       Dois anos depois, ele ingressou no curso de arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1970, dois meses após a inauguração do Palácio Itamaraty, Frederico voltou a Brasília. Perambulava pela Esplanada, quando se deparou com o prédio.    Literalmente, perdeu o fôlego. Ele participou do evento Jornada Wladimir Murtinho, promovida pelo Itamaraty, na segunda feira.

    Acompanhemos a fala de Frederico. Ele reconhece Murtinho na condição de mentor e regente da equipe que construiu o Itamaraty. O prédio marca nova ênfase no trabalho de Oscar Niemeyer. Uma fantasia mais contida, formas geométricas mais simples, configuração rigorosamente simétrica. Quatro fachadas idênticas com abertura para todos os lados e a planta quadrada.

       Tudo contrasta com o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Palácio Alvorada, observa Frederico. O prédio evoca os arcos plenos do palácio homônimo do Rio, transmutados na arcada envolvente em Brasília. O Itamaraty é o único formado por um conjunto de colunas à moda dos templos gregos. Cria-se uma zona de sombra com o recuo da caixa de vidro ante os arcos ao redor. É resgate inovador da história da arquitetura.

     Agora, Oscar é menos o Dioniso da curva livre e sensual, como escreveu, e é mais o Apolo do brilho da simplicidade, como diria Glauco Campelo, para caracterizar o classicismo do novo Itamaraty.

Niemeyer segue a cartilha moderna dos prédios soltos, mas a formalidade da interface é sutil. No Itamaraty essa relação entre dentro e fora é novamente incomum, instaurada pelo espelho d’água e pela passarela de acesso, pois elas estão quase ao nível da calçada em redor. O que não acontece no STF ou no Alvorada.

   Há um tema recorrente: duas massas opacas separadas por um vão transparente central, artifício para reforçar a relação entre espaço interno e o entorno do prédio. Mas é no Itamaraty que Oscar encontra a solução é mais elaborada e fascinante.

Embora inscrito em um retângulo de 30 por 54 metros, é um prédio marcado por momentos diversamente configurados, proporcionando a quem circula pelo edifício muitas surpresas. Em alguns trechos não existe a pele que separa o dentro do fora. Você entra e bate direto com os jardins amazônicos de Burle Marx. A treliça de Athos Bulcão filtra a nossa percepção.

O avarandado das casas coloniais expandiam o espaço interno no externo. No entanto, Niemeyer mais uma vez inova no Itamaraty. O terceiro piso evoca a casa colonial, mais o terraço-jardim concebido por Le Corbusier, que Oscar tanto admirava. É marcado pelo foco de luz zenital e pelas esculturas de Maria Martins e de Lasar Segall. É contíguo à sala Brasília, onde são servidos os banquetes. Instaura a relação permeável de ritual e de improviso, do formal e do informal, da hierarquia e da igualdade.

Frederico recorre ao poeta inglês John Keats para caracterizar o prazer estético que o prédio do Itamaraty lhe desperta: “deleite eterno”. Para o professor, é a mais importante obra da arquitetura de todos os tempos e espaços. Não pode comprovar a afirmação de maneira científica.

A sua declaração está no campo da ética e da estética. O campo dos valores só existe no plano grupal ou legitimamente pessoal. Mas ele coloca a sua percepção em debate: “Tenho uma curiosidade e a exponho: meus valores são correlatos aos vossos?”

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