Os cronistas e os passarinhos

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Severino Francisco

Em foto publicada no Correio, os colegas ilustres Stanislaw Ponte Preta, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga aparecem com o olhar concentrado, compenetrado e grave, em um evento realizado na cidade. Adivinhem o que motivou a viagem até Brasília e a tensão no semblante do trio? O lobbie no Congresso Nacional para conseguir uma vaga de aspone? A pesquisa para ver se foram aprovados no concurso da Câmara dos Deputados ou no Senado Federal? Alguma audiência com o presidente da República?

Nada disso. Eles vieram para acompanhar o III Torneio Oficial de Bicudos e Curiós, promovido pelo Departamento de Turismo de Brasília, no qual se disputava o volume de canto, com os concorrentes se submetendo a várias provas, como narra em deliciosa crônica, publicada no Caderno de Agricultura do Correio (4.10.1968), Stanislaw Ponte Preta, o criador do Febeapá – Festival de Besteiras que Assolam o País. Aliás, se estivesse vivo, teria muito material para o Febeapá. Mas vamos em frente.

Rubem Braga sempre foi contra a mudança da capital do país do Rio de Janeiro para o Planalto Central e nunca economizou em destilar veneno contra Brasília em suas crônicas. A arquitetura modernista não o entusiasmava. Ele gostava é de passarinhos e, certamente, ficaria surpreso com a invasão deles às superquadras se visitasse a cidade-parque agora aos 62 anos, depois do florescimento das árvores ao longo de décadas.

Mas sigamos o relato de Stanislaw no torneio de curiós e bicudos na cidade. Os participantes eram dispostos em rodas e, se depois da primeira hora o concorrente não cantasse, estaria, sumariamente, eliminado.

A peneira retirava os preguiçosos, a distância entre as gaiolas diminuía e a temperatura subia: “Daí por diante, meus camaradinhas, a coisa pega fogo, porque bicudos e curiós não admitem a presença de outro macho por perto em hipótese alguma”, escreve Ponte Preta: “Nós, civilizados, só não admitimos, grosso modo, para uma hipótese, mas bicudos e curiós são mais radicais e partem para o inimigo. Como as gaiolas impossibilitam o pega, tratam de cantar, para desmoralizar o rival e impressionar as fêmeas; estas são proibidas de comparecer para não haver bronca.”

O regulamento rezava que, a qualquer momento, estaria eliminado o concorrente que chorasse ou piasse frio, cantasse desanimado. Stanislaw sugeriu que o quesito fosse adotado nos festivais de música popular brasileira e fecha o assunto: “Resumindo: o III Torneio de Curiós e Bicudos, ideia de Francisco Imperial, foi um sucesso e teve até um sujeito que quis trocar seu Galaxie (o carrão mais luxuoso da época) pelo curió carioca Tira-Teima. A transação não foi feita porque o dono do passarinho não gostou da cor do carro”.

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