O presente de Galeno

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Galeno é o nosso curumim arteiro. Athos Bulcão dizia que Brasília é um museu a céu aberto. Poucos se dão conta disso. No entanto, Galeno é um dos que interagiu de maneira mais criativa com essa circunstância. A sua arte assimilou algo do senso da cor de Athos Bulcão, do construtivismo de Volpi, da signagem de Rubem Valentim e da crueza do artesanato de Mestre Quincas. Misturou essas referências com as evocações da infância de menino do Delta do Parnaíba e, ao fim, tudo virou Galeno.

Galeno pintou monumentos com lagartixas ou barracos com traços de monumentos. E deixou a sua marca na cidade ao criar painéis com Nossa Senhora para a Igrejinha da 308 Sul, que parece uma festa no céu. Agora, ele acaba de fazer um painel para o Salão Nobre do Palácio do Planalto.

O convite partiu do arquiteto Rogério Carvalho, o mesmo autor do projeto de criação do painel para a Igrejinha da 308 Sul, para substituir o original de Volpi, destruído por um padre de poucas luzes, que aplicou uma demão de tinta sobre as imagens. Rogério consultou a Galeno se ele concordaria em doar a obra para o Palácio do Planalto. E o nosso curumim arteiro concordou, imediatamente, porque ter uma obra em um monumento tão importante vale mais do que qualquer dinheiro. Sentiu honra, alegria e prazer.

O painel está instalado no Salão Nobre do Palácio do Planalto se chama Quatro Estações, que são representadas pelo jogo de cores, na forma de signos da vivência de menino do Parnaíba estilizados, com pequenos objetos de madeira ao centro (baladeiras, carretéis, lamparinas, piões). A pintura-painel beira a abstração, no entanto, está carregada de afetividade e de ancestralidade.

São objetos que evocam os pais, os avós e as brincadeiras populares de menino pobre. Tudo enredado em uma trama de pungente brasilidade. E sempre irradiando as formas, as cores, a luminosidade e a alegria de festa popular.

O painel foi executado no atelier de Galeno no Delta do Parnaíba, onde mora a maior parte do tempo, quando não está em Brazlândia. Para ele, não vale apenas a história da arte, mas também a ancestralidade familiar. Galeno vai ao Piauí para conversar com os fantasmas, confabular com o o tetra-avô, intensificar o diálogo espiritual com as referências essenciais da sua vida.

Filho de uma família de artesãos construtores de canoas e tecelãs de renda, Galeno tem ancestralidade também na literatura. Ao ler um livro sobre árvores genealógicas, descobriu que o primeiro Galeno da linhagem era o poeta Juvenal Galeno, muito admirado pelo vate cearense Patativa do Assaré, que sempre quis conhecê-lo. No entanto, quando se encontrou com Juvenal Galeno, Patativa do Assaré já estava cego.

O pai de Galeno ajudou a erguer muitos prédios da Esplanada dos Ministérios na condição de candango. E, agora, Galeno constrói um painel no espaço interno do Palácio do Planalto. Quando for embora, quer deixar o legado dessa obra para os pais, para os filhos, para os brasilienses e para todos os brasileiros.

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