O labirinto de Oiticica

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Hélio Oiticica desejava que a arte saltasse do quadro, da gravura ou do desenho para o espaço. Queria uma arte corporal  que fosse caminhada, atravessada e vestida. Foi o último a aderir ao movimento Neoconcreto, no final da década de 1950, e realizou as experiências mais extremas, que anteciparam experimentações que se fariam em vários pontos do mundo. Queria que o espectador participasse ativamente nas obras.

Morei em São Paulo durante a adolescência e, aos 14 anos, levei um susto ao assistir Caetano Veloso, dentro de uma jaula, metido em uma capa multicolorida, jogando bananas e cantando “é preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte”. A roupa era o Parangolé, a capa tropicalista, de Hélio Oiticica.

O CCBB instalou nos jardins o penetrável A invenção da cor: Magic Square, concebido por Oiticica no final da década de 1970. É possível apreciá-lo de várias perspectivas. Passo de carro todos os dias na ida e na volta do trabalho e sempre dou uma mirada. Magic Square é um labirinto vertical, que interage com o céu de Brasília. A coletânea de artigos de Oiticica é intitulada, significativamente, Aspiro ao grande labirinto.

Magic Square se parece com as obras de integração arte-arquitetura de Brasília. No entanto, a diferença está na despreocupação com a funcionalidade. A instalação de Hélio Oiticica subverte as relações espaciais com uma função eminentemente estética. E já que o autor confere relevância à experiência sensorial e subjetiva do espectador, registrarei as minhas impressões.

Ao atravessar a obra senti mesmo a angústia de quem está enredado em um labirinto colorido, mas um labirinto vertical e talvez espacial, um labirinto com aberturas para todos os lados. É fácil escapar do emparedamento das paredes fulgurantes de amarelos, vermelhos e azuis. Basta olhar para os lados e ter a sensação de alívio. É um labirinto com saídas.  O vão aberto no alto dirige o olhar para a esfera celeste de Brasília.

Se estivesse instalado em uma cidade tradicional, talvez o trabalho de Oiticica ficasse deslocado. Mas o construtivismo e a espacialidade de Brasília favorecem e enriquecem a interação dos espectadores com as obras de arte contemporânea. Não é difícil imaginar a obra de Oiticica vazando o céu plúmbeo de uma cidade como São Paulo.

Brasília foi criada por artistas ou por políticos com alma de artista. Niemeyer convidou Athos Bulcão, Volpi, Di Cavalcanti, Cheschiatti, Bruno Giorgio, Maria Martins , Marianne Perretti. É um acervo muito rico, porém, ele deveria ser atualizado e acrescido de novas obras de arte contemporânea.

Inclusive porque um dos grupos precursores da arte conceitual brasileira surgiu em Brasília, a partir do Ciem, escola experimental da UnB, com Cildo Meirelles, Guilherme Vaz e Luiz Alphonsus. Por isso, merece aplauso a iniciativa do CCBB de instalar as esculturas de Amílcar de Castro e o labirinto vertical de Oiticica em seus jardins.

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