Severino Francisco
O francês Jean-Paul Sartre, o filósofo existencialista, o filósofo da liberdade, veio ao Brasil na década de 1960, passou por Brasília e foi tema de uma crônica hilária de Nelson Rodrigues. Havia gente até no lustre para ver o célebre visitante em uma palestra. Segundo Nelson, Sartre olhava a todos com desprezo, como se dissesse: “Vocês são uns cretinos”.
A certa altura, alguém trouxe um balde de jabuticabas. Sartre começou a degustar as frutinhas pretas e a mirar para elas com o mesmo desdém, como se comentasse: “Vocês também são umas cretinas”.
Sartre marcou profundamente o século 20, dos beatniks aos punks, dos movimentos de liberação sexual aos movimentos pelos direitos da mulher. De trás de tudo que envolve revolta do indivíduo e luta de emancipação dos tempos modernos e pós-modernos paira o fantasma de Sartre.
O que fez esse homem baixinho, míope, sempre vestido com ternos desleixados, despertar o enlevo nas mulheres e parecer tão sedutor a um século povoado de tantas pessoas excepcionais? A resposta está na palavra liberdade: “Um homem não é nada se não for um contestador”, escreveu o filósofo.
A Segunda Guerra Mundial escancarou o nada, o desamparo e o absurdo da vida. É desse solo destroçado que emerge o existencialismo, o movimento de revolta contra os sistemas abstratos, a hipocrisia e os grandes ideais. O existencialismo é a filosofia colado no corpo. Mesmo acuado na situação mais opressiva, sempre é possível realizar um gesto que afirme a liberdade.
A filosofia da liberdade é, essencialmente, uma filosofia da ação: “O silêncio é reacionário”, provocava Sartre. O sucesso ou o fracasso não interessam para a liberdade: o essencial é a escolha: “A vida de um escravo que ser rebele e morre no curso da sublevação é uma vida livre”.
Essa paixão pela liberdade fez com que Sartre fosse confundido com um porra-louca pelos que não leram ou só ouviram falar de sua obra. Mas ele escreveu um livro, sob o título O existencialismo é um humanismo, para refutar as críticas. Para Sartre, era exatamente o contrário do que diziam os detratores.
Liberdade não é fazer tudo o que quiser: liberdade é assumir a responsabilidade por nossas decisão, que são sempre limitadas por circunstâncias ou situações. Nós estamos condenados a sermos livres, quer dizer, estamos condenados a sermos responsáveis pelos nossos atos e por toda a humanidade: “Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bom, e não pode ser bom para nós sem que o seja para todos”.
Muitas pessoas acreditam que ao agirem só implicam nisso a si próprias, e quando se lhes diz: “e se toda gente fizesse assim?”, elas dão de ombros e respondem: “nem toda a gente faz assim”. Sartre comenta: “Ora, a verdade é que devemos perguntar-nos sempre: o que aconteceria se toda gente fizesse o mesmo?”
Essas evocações me vieram ante a observação das barbaridades que se cometem, atualmente, em nome da liberdade. Esqueci muitas coisas que li de Sartre, mas uma frase ficou colado a meu corpo: liberdade é igual a responsabilidade.
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