Severino Francisco
Em 1999, o artista plástico Wagner Hermusche concebeu e dirigiu um projeto de educação ambiental patrocinado por uma grande empresa, batizado por ele de Brasil 500 pássaros.Constava de um livro e de uma exposição com 500 aquarelas de pássaros da avifauna brasileira.
Claro que em um projeto dessa magnitude não poderia faltar um poema de Manoel de Barros, um dos maiores poetas brasileiros e figura de renome internacional. Ele é o Mané Garrincha da poesia brasileira, aplica dribles desconcertantes no senso comum.
A empresa concordou plenamente e reservou uma grana para pagar a criação de um poema exclusivo. Hermusche entrou em contato com o poeta, enviou o projeto e marcou uma conversa em Campo Grande, onde Manoel morava.
Tomou um avião, se mandou para Campo Grande e foi muito bem recebido. A empresa havia reservado o valor de R$ 3 mil para remunerar o poeta. Entre cafezinhos, biscoitos e blagues, os dois chegaram a um acordo. Sim, Manoel escreveria o poema exclusivo.
Hermusche perguntou: “Quanto te devo pelo texto?” O poeta não teve dúvida: “R$ 10 mil estaria bem”. Hermusche engoliu seco, ficou torto, levantou-se, estendeu a mão e confirmou: “Fechado!”
Ao sair, ligou imediatamente para o presidente da empresa e contou que havia acertado com o poeta o trabalho por R$ 10 mil.
A resposta veio fulminante do outro lado da linha: “Hermusche, você está louco?”. Ao que o artista respondeu: “O que é R$ 10 mil reais para uma grande empresa ter um poema exclusivo do maior poeta brasileiro vivo no projeto?” O diretor de comunicação interveio: “Ok, Hermusche. Meus parabéns!”
Ao fim, todos ficaram satisfeitos. A poesia de Manoel tem o dom de nos fazer felizes. Confiram trechos lindo poema que ficou como legado da aventura.
Gratuidade das aves e dos lírios
“Sempre que as gratuidades pousam em minhas palavras/elas são abençoadas por pássaros e por lírios. Os pássaros conduzem o homem para o azul,/ para as águas, para as árvores e para o amor./Ser escolhido por um pássaro para ser a árvore dele:/eis o orgulho de uma árvore./Ser ferido de silêncio pelo voo dos pássaros:/eis o esplendor do silêncio./Ser escolhido pelas garças para ser o rio delas:/eis a vaidade dos rios.
Por outro lado, o orgulho dos brejos é o de serem escolhidos/por lírios que lhes entregarão a inocência./(Sei entrementes que a ciência faz cópia de ovelhas/Que a ciência produz seres em vidros/louvo a ciência por seus benefícios à humanidade/Mas não concordo que a ciência não se aplique em produzir encantamentos). (…) Sou leso em tratagem com máquina, mas inventei, para meu gosto, um Aferidor de Encantamentos”.