Severino Francisco
No primeiro dia de aula, a professora apresentou-se às crianças do terceiro ano do ensino fundamental em uma escola de uma região administrativa. Mas um aluno chorou muito e se recusou a entrar em sala de aula. Ela perguntou a razão, e ele respondeu: “É que sou o maior da turma”. Todavia, a professora o convenceu a entrar e logo soube do motivo da apreensão do garoto: ele tinha dificuldade com a escrita e havia sido reprovado três vezes.
A professora ficou profundamente tocada pela situação do garoto, a quem chamaremos Carlos para preservar a identidade. O caso não era de fácil solução. Mesmo encaminhado a uma psicopedagoga, ele continuou com as dificuldades para escrever com clareza. A cada repetência, ficava maior em relação à turma, e isso se tornou um motivo de angústia.
Então, a primeira providência da professora foi restaurar a autoestima do garoto. Nas festas, ela bolou pequenas peças de teatro para que ele brilhasse no papel principal. E, de fato, Carlos arrasou na interpretação de Luiz Gonzaga, o rei do baião, durante as celebrações de são-joão. Todos notaram a melhora de Carlos na escola: “É uma outra pessoa”.
No entanto, apesar dos sinais positivos, o garoto continuou a ter problemas de escrita. A professora tinha compaixão, mas era muito brava e rigorosa. Não aliviava para Carlos. Exigia postura, compromisso, respeito, disciplina, esforço e determinação. Ordenou que ele fizesse aulas de reforço. O garoto andava mais de 8k por dia, embaixo do sol a pino, para chegar até a escola e para retornar para casa.
Tanto empenho e dedicação surtiram efeito. Aos trancos e barrancos, Carlos conseguiu superar as limitações e avançar no domínio da escrita. Por circunstâncias da vida, acompanhei cada lance do caso. Carlos tinha certeza de que seria reprovado mais uma vez. Contudo, para seu espanto, ele passou. Não acreditou quando soube que havia sido aprovado. O menino gritou, pulou e explodiu de felicidade.
Fui convidado a visitar a família de Carlos e aceitei. Ao saber que nunca haviam celebrado o Natal com árvore e com peru assado, banquei: é por minha conta. Entramos por vielas, buracos, barrancos e nuvens de poeira até chegar ao loteamento. Fomos muito bem recebidos, numa casa modesta, mas limpa e decente.
Ficaram muito felizes com os presentes. Mas, em determinado momento, o pai, um mulato forte, com mais de 1,90m de altura, resolveu que algo precisava ser dito. Ensaiou um agradecimento à professora: “Eu queria agradecer muito”. No entanto, a voz embargou, tomado por violenta comoção. Começou a tartamudear: “O que a senhora fez pelo meu filho não tem preço”.
]Em seguida, desabou no choro e arrebatou a todos: “Eu sempre rezei e pedi a Deus para que ele mandasse uma professora que apostasse em meu filho. E a senhora apareceu. A senhora é um anjo. Muito obrigado”. Em uma circunstância como aquela era muito difícil não chorar as tais lágrimas de esguicho de que falava Nelson Rodrigues.
A professora reencontrou Carlos, recentemente, e trouxe boas notícias. Contou que foi aprovado nos últimos anos, está ótimo, cheio de planos. Ganhou um presente para a vida inteira. A educação opera milagres, tem o poder de revelar o melhor de nós. Vamos melhorar a remuneração dos nossos professores, vamos apostar nas crianças, vamos investir na educação. É a nossa única chance de forjar seres humanos melhores.

