Emendas surreais

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Severino Francisco

O Congresso brasileiro gasta nove vezes mais com emendas parlamentares do que o norte-americano. Nosso parlamento é o segundo mais caro do mundo, em termos absolutos, só ficando atrás do americano, que, no entanto, tem uma economia seis vezes maior do que a brasileira. Se avaliarmos do ponto de vista da relação do Poder Legislativo com a renda média, o parlamento brasileiro ocupa o desonroso primeiro lugar no ranking. O segundo é da Argentina, conforme levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo.

O deficit zero é uma obsessão para o mercado e para segmentos da imprensa alinhados com os interesses especulativos. Mas, de outra parte, existe pouca cobrança sobre a anomalia das emendas parlamentares abusivas de R$ 45 bilhões, em 2024, que contribuem para que o deficit zero seja inalcançável. Para alcançar tal cifra foi preciso cortar nos orçamentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e nos programas habitacionais.

Ora, o deficit no orçamento de 2024 foi de mais de R$ 230, 535 bilhões. Mais de metade disso corresponde ao calote dos precatórios, aplicado pelo governo anterior, que o atual revogou e resolveu pagar. As emendas parlamentares representam quase um quinto do deficit. É algo irreal e surreal.

Mesmo porque essas emendas são pulverizadas pelas 531 excelências que investem em seus redutos eleitorais de uma maneira nem sempre republicana. Basta ver a quantidade de obras inacabadas. É assim que se perpetuam parlamentares que só se preocupam com o interesse pessoal. Quando estão em jogo questões de interesse público do país, as excelências tratam a questão como negócio e exigem muita grana para votar a favor.

Essa é uma das razões para que tenhamos o parlamento mais limitado da história republicana. Algumas excelências parecem ter saído diretamente do século 16 para o Congresso Nacional do terceiro milênio, pois defendem a exploração predatória da agricultura e da mineração, o desmatamento das florestas e a monocultura. São negacionistas das mudanças climáticas. Os temporais que assolaram o Rio Grande do Sul desabrigaram mais de 20 mil pessoas, destruíram escolas e provocaram prejuízos de mais de 2 bilhões para o agronegócio.

Os rios da região Norte, antes caudalosos, viraram trilhas de areia, em um cenário desértico, com a fumaça subindo aos céus. Em vez de convocarem os cientistas para saber o que está acontecendo com a natureza e como adequar as políticas agrícolas ao novo cenário, as excelências estão preocupados em chantagear o governo para obter emendas parlamentares ou em reduzir o mandato dos ministros da Suprema Corte.

Com isso, revelam uma alienação absurda em relação a uma agenda pública de relevância. Não se responsabilizam por nada, não têm o menor compromisso com a defesa da democracia, gastam as emendas sem qualquer controle e criam novos currais eleitorais para se reelegerem. As emendas parlamentares das excelências brasileiras não têm parâmetro em nenhum lugar do mundo.

Segundo a nova reforma tributária, o governo só pode gastar mais se arrecadar mais. O salário mínimo também está atrelado ao crescimento econômico do país. Uma regra semelhante deveria ser adotada em relação às emendas parlamentares para evitar o quadro atual de aberração orçamentária, baseada exclusivamente na chantagem. Cada parlamentar amealha cerca de R$ 58 milhões por ano em emendas, verba superior a de 79% das prefeituras do país. Suas excelências não podem continuar a viver em um país das maravilhas da mamata que nada tem a ver com o Brasil real.

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