Severino Francisco
Na semana passada quebrei um dente pré molar. Esse tipo de acidente me deixa desconsolado. Por causa disso, eliminei, sumariamente, a pipoca do meu cardápio. No entanto, o que provocou o dano foi o alimento mais insuspeito e, aparentemente, mais inofensivo: uma pastilha Valda de jujuba. O problema é a mordida humana que, pesa, em média, o equivalente a mais de 30kg.
Pois bem, eu queria apresentar a vocês o personagem que sempre me salva nesses momentos dramáticos de avaria nos dentes: o doutor Fontes, dentista competente, rigoroso e sempre de prontidão para resolver qualquer parada. Tem um compromisso com a profissão. Se pode aliviar as dores do paciente, não deixa para amanhã o que pode fazer hoje. Ele é um bugre de Mato Grosso, baixinho, elétrico, matreiro e bem-humorado. Colegas de turma o chamam até hoje de Poconé, cidade onde nasceu.
O pai mandou Fontes para estudar odontologia no Rio de Janeiro porque o filho era bom de bola e isso não era uma profissão decente. Porém, no Rio, ele jogou no time juvenil do Botafogo na mesma geração de Afonsinho, teve uma lesão no joelho e foi obrigado a abandonar o futebol. O Botafogo pode ter perdido um craque, mas a odontologia ganhou um ótimo dentista.
Algo do menino que amarrava jacaré com cipó no Mato Grosso sobreviveu no adulto e cintila nos olhos de Fontes. Certa vez, foi a uma partida de basquete do filho no ginásio de um tradicional colégio da cidade, com lotação total. A cada embate do jogo, Fontes atiçava o filho, com sotaque interiorano: “Dá nele, pegu’ele”.
Ao fim, toda a plateia urrava: “Dá nele, pegu’ele”. Depois do prélio, o filho chamou Fontes e sentenciou: “Você está proibido de assistir a qualquer jogo em que eu participe. Foi o maior mico que passei em minha vida”.
Fontes é dentista da nossa família há mais de 30 anos. Quando meu filho João tinha cinco anos prometeu presenteá-lo com mexericas cravo, que apanharia no sítio do avô. Passados mais de três décadas, sempre que encontrava João no ônibus, Fontes cobrava: “Cadê as mexericas que você me prometeu?”.
Para acabar com a pendenga, resolvemos comprar mexericas no mercado e quitar a dívida afetiva, mas Fontes recusou a proposta com uma súplica: “Por favor, não façam isso, porque vocês vão me tirar o assunto da minha conversa com o João quando a gente se encontra no ônibus“.
Nos intervalos do tratamento, Fontes costuma espairecer cantarolando hits de Roberto Carlos: “As curvas se acabam/E na estrada de Santos/Eu não vou mais passar…Ou, yeah…” Ficou intrigado quando uma cliente o presenteou com um disco de Roberto Carlos, e perguntou a razão.”É porque você canta totalmente errado”, explicou a cliente. Fontes não se incomodou com o reparo à performance musical, continua espantando os males com as canções do Roberto: “As curvas se acabam...”
Quando tenho algum problema nos dentes e vou ao Fontes, são essas histórias que amenizam a dor na boca, na hora do tratamento, e a dor no bolso, na hora de acertar as contas.
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