Decreto da pandemia

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Severino Francisco

Um jornalista de Marte me enviou a cópia do decreto, assinado pelo presidente marciano, que determina o fim da pandemia naquele planeta tão distante. Fala, excelência!

“A partir desta data, fica decretado, em caráter irrevogável e irrecorrível, o fim da pandemia. No uso de minhas prerrogativas imperiais, delibero que a pandemia cairá para a segunda divisão das doenças e terá o status rebaixado para endemia.

Fica estabelecido, definitivamente, que as pandemias são gripezinhas, que não provocarão a morte de mais do que 2 mil pessoas.

É vedada à pandemia durar mais de duas semanas. Se o vírus não obedecer, a PF marciana entrará em ação e o blindado Fumacê será acionado.

É interditado o uso de vacinas, pois, como se sabe, elas são imunizantes experimentais, que provocam doenças nas crianças. Alguns dos infantes sofrem tamanhas metamorfoses que se transmudam em jacarés, calangos, araras e outros bichos.

É terminantemente proibido, nos meios de comunicação de Marte, o uso do termo contaminação pelo vírus. A expressão correta é operação especial do vírus.

Os que infringirem o dispositivo referido no caput sujeitam-se à pena de 15 anos de reclusão nas masmorras de Marte, com o pé amarrado em uma mesa, bebendo água em cuia de queijo Itambé.

É terminantemente proibido criminalizar a ação, a omissão, a prevaricação,o peculato, a venalidade, a corrupção ativa, a corrupção passiva, as campanhas negacionistas e outros eventuais e pequenos deslizes dos governantes de Marte durante as endemias.

É terminantemente vedado aos cidadãos de Marte morrerem em razão da operação especial do vírus.

A partir desta data, o uso da máscara está proibido, com agravante para quem recomendar a utilização do equipamento de proteção pelas crianças, sujeitando-se à obrigação de dar explicações no Conselho Tutelar da Infância.

Fica terminantemente proibida a transmissão viral em concessionárias ou empresas de transporte público, sobretudo nos horários de pico.

Os eventuais atos de inépcia, incúria, ignávia, inscísia, sopor, desídia e desaso, cometidos por autoridades, na gestão da crise sanitária, deverão ser condecorados com o título de Grão Mestre da Ordem Nacional do Mérito Científico.

É vedada aos cientistas emitir opiniões fundadas na pesquisa sobre os fatos, que dificultem a retomada da normalidade. Se as estatísticas desmentem o decreto, pior para as estatísticas.

E, finalmente, é vedado aos cronistas o uso de chistes, chalaças, facécias e antífrases sobre quaisquer temas relacionados à pandemia.”

Severino

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