Conversa com Zé Ramalho

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Durante um mês, todos os dias, fiz o trajeto, de ida e volta, do Plano Piloto a Luziânia, para visitar meu sogro no hospital. Sempre ouvia um álbum duplo de Zé Ramalho. Depois das viagens, cheguei à conclusão fulminante de que Zé Ramalho tem uma obra que pode emparelhar com a de Caetano Veloso ou com a de Gilberto Gil, embora os baianos sejam mais badalados. Zé esteve na cidade para show no Funn Festival. Queria entrevistá-lo, mas, como ele não concede entrevistas, resolvi entabular uma conversa imaginária para homenagear o inspirado vate paraibano. Fala Zé!

De onde você veio, afinal?

Na pedra de turmalina e no terreiro da usina eu me criei. Voava de madrugada e na cratera condenada eu me calei. Se eu calei foi de tristeza, você cala por calar, e calado vai ficando só fala quando eu mandar.

Como era o seu avô, que virou também pai, de que você fala na canção Avohai? O que ficou para você de marcante da imagem dele?

Pares de olhos tão profundos que amargam as pessoas que fitar, mas que bebem sua vida sua alma na altura que mandar.

Você andava sumido de Brasília. Onde você estava?

Apenas apanhei na beira-mar um táxi pra estação lunar.

O que você observa nas cidades?

Nada vejo por esta cidade que não passe de um lugar comum, mas o solo é de fertilidade no jardim dos animais em jejum.

Como lida com o sentimento de indignação contra o atraso dos poderosos e com desejo de transformação do país?

Disparo balas de canhão, é inútil, pois existe um grão vizir, há tantas violetas velhas sem um colibri. Queria usar quem sabe uma camisa de força ou de vênus.

E, o povo, trocou os currais eleitorais de antigamente pelos currais eletrônicos virtuais? Agora, é o povo que pede para ser escravizado e ainda agradece?

O tempo do homem, a mulher, o filho, o gado, o novilho urra no curral, vaqueiros que tangem a humanidade em cada cidade em cada capital. Ê vida de gado, povo marcado, povo feliz.

Quando um frevo se torna um frevo mulher?

É quando o tempo sacode a cabeleira, a trança toda vermelha, um olho cego vagueia procurando por um.

Você é um menestrel apocalíptico. O que pode, por exemplo, acontecer com as mudanças climáticas que nos ameaçam?

Se o teu amigo vento não te procurar, é porque multidões ele foi arrastar.

Os delírios poéticos apocalípticos a que se entrega negam a realidade?

Pode ser que ninguém me compreenda, quando eu digo que sou visionário, pode a Bíblia ser um dicionário, pode tudo ser uma refazenda, mas talvez a mente não me atenda, se eu quiser novamente retornar, para o mundo de leis me obrigar a lutar pelo erro  do engano, eu prefiro um galope soberano, à loucura do mundo me entregar.

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