Severino Francisco
O presidente Bolsonaro se arvora em ser o dono da bandeira, da Constituição, do Exército, da liberdade, da verdade, da beleza, do desejo das mulheres, do bem, do mal, do 7 de Setembro, da Amazônia e da vontade de Deus. Aliás, chegou a afirmar: “Eu sou a Constituição” e “o meu Exército”. Quem ouve os seus discursos fica com a impressão de que ele, e não Dom Pedro I, proclamou a independência.
A excelência transformou o 7 de Setembro do Bicentenário da Independência, evento da nação brasileira, em um comício da reeleição. Emendou um acontecimento no outro, convidou os tratores de apoiadores do agronegócio para desfilarem com os tanques militares. A seu lado, não figurou nenhum dos chefes dos outros poderes: o Senado, a Câmara dos Deputados e o STF. Em contrapartida, estava acompanhado de um empresário investigado por possível articulação de golpe.
Sempre fala em nome da liberdade, como se ela emanasse de sua pessoa, e não da Constituição. Os que discordam, são comunistas, palavra mágica para estigmatizar os adversários. Já foram colocados nesta categoria Lula, João Dória, Merval Pereira, a Rede Globo, Sérgio Moro, O Estado de São Paulo e Ibaneis Rocha.
Em decisão conjunta tirada entre representantes das forças de segurança do GDF, dos setores militares e do STF, ficou decidido que os caminhões não poderiam entrar na Esplanada. Pois bem, o presidente conversou com os caminhoneiros e prometeu reverter a deliberação estratégica de segurança, permitindo o ingresso dos veículos de grande porte. Chegou a pedir ao Exército que cadastrasse os caminhões autorizados. No entanto, o governador Ibaneis Rocha manteve a determinação e foram evitados tumultos.
É preciso lembrar que, na última manifestação, em 7 de setembro de 2021, alguns caminhoneiros mais exaltados ameaçaram invadir prédios públicos e só se retiraram da Esplanada em 9 de setembro. Havia o temor de que, com as sucessivas incitações do presidente, a manifestação pudesse descambar para a violência, mas, felizmente, nada disso aconteceu.
Contra toda a tensão e de toda a expectativa de acontecimentos trágicos, foi uma manifestação pacífica, apesar das ameaças de golpe. É um mistério o fato de apoiadores do presidente estamparem faixas com palavras de ordem golpistas contra o STF em inglês.
Querem conquistar a adesão dos Estados Unidos para uma ditadura? Desejam aplicar um golpe em inglês? É uma manifestação de patriotismo? Nas frases curtas dos cartazes foram detectados alguns erros crassos. Um internauta sugeriu conversar com Carlos Wizard, apoiador do presidente e dono de um conhecido curso de línguas.
Se apropriar, indebitamente, de um evento da nação brasileira para fazer propaganda é uma ação que fere, flagrantemente, a lei eleitoral. Além disso, faltou com a compostura exigida por um presidente da República. No dia em que se comemoram os 200 anos de proclamação da Independência, sua excelência não pronunciou palavras à altura da dignidade do cargo que ocupa. Brasília é a cidade utópica, mas está sendo degradada à condição de sede da distopia.
Ante a história, as lutas e os desafios de 200 anos de República, a mensagem do presidente à nação foi: “Eu sou imbrochável”. Alguns entendem que isso é autenticidade, mas eu tenho a impressão de que essas palavras rebaixam e degradam o cargo de presidente.
Se a Câmara dos Deputados não estivesse com a consciência alugada pelo Orçamento Secreto, dava impeachment por falta de decoro. Que nação civilizada respeitará um chefe de Estado que se expressa dessa maneira? É para isso que foi proclamada a República? É para isso que ele quer ser reeleito?
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