Severino Francisco
O confinamento imposto pela pandemia da covid-19 foi um tempo dramático, de incertezas, mas também de contemplação e de reflexão. E, durante aquele momento, a voz da professora Lúcia Helena se revelou muito importante em lives que ajudaram muitos a extrair um sentido em meio a eventos dramáticos e ao limiar da morte.
Mas, na verdade, ela realiza esse trabalho, cotidianamente, em Brasília, no instituto Nova Acrópole. Ela é uma estudiosa da filosofia com radares sensíveis para ouvir a poesia e para dialogar com a arte. Acaba de lançar dois livros sobre os simbolismos ocultos nas obras A divina comédia, de Dante Alighieri, e A flauta mágica, de Mozart. As suas palestras on-line alcançaram 144 milhões visualizações. Todavia, o que está em jogo não é só o número; é a relevância do que ela fala.
Muitos ficaram sem entender nada quanto as jogadoras da Seleção Brasileira de futebol feminino foram vistas portando colares durante a cerimônia de premiação das Olimpíadas de Paris. No entanto, havia uma razão para o claro enigma, conforme mostra matéria publicada no Estadão. A professora Lúcia Helena Galvão foi convidada a dar uma palestra para as jogadoras quando elas estavam na fase de preparação e treinamento na Granja Comary, no Rio de Janeiro, antes de embarcar para Paris.
Em vez de recorrer aos métodos convencionais de motivação, Lúcia Helena utilizou uma imagem de forte simbolismo feminino e poético. Ela representou a seleção das meninas do Brasil com a alegoria de um colar de pérolas para argumentar que, embora de cada atleta ser única, é a união delas que poderia formar um time para brilhar nas Olimpíadas de Paris.
As meninas claudicaram nos jogos da primeira fase. Ganharam da Nigéria, mas perderam para o Japão, no último minuto, e para a Espanha. No entanto, na fase decisiva conseguiram vitórias empolgantes contra França e Espanha e conquistaram a medalha de prata. Mesmo perdendo a final para os Estados Unidos, elas jogaram bem e com a união do colar de pérolas sugerido por Lúcia Helena para superar as adversidades.
Sensibilizado pela palestra de Lúcia, o técnico Arthur Elias resolveu presentear cada jogadora com um colar de pérolas para materializar a ideia de união. E foram esses colares que as meninas usaram durante a cerimônia de premiação das Olimpíadas de Paris 2024. Claro que ficamos tristes com a derrota para os Estados Unidos.
No entanto, a medalha de prata representa muito para o Brasil e coloca a seleção brasileira feminina no patamar mais alto do futebol mundial. A fala da brasiliense Gabi Portilho, a atacante que brilhou em Paris, é reveladora de que as jogadoras brasileiras foram sensibilizadas pelas palavras de Lúcia Helena: “Somos uma pérola e cada uma tem sua luz e brilho próprios. Mas a gente só consegue ser unidas por meio de um cordão. Esse cordão que nos faz fortes. Esse colar mostra a nossa unidade. Estou muito orgulhosa do que a gente fez”, disse Gabi.
A lição básica da união é útil, inclusive, para a nossa seleção masculina em que Neymar queria resolver tudo sozinho como se fosse Neymar Futebol Clube. Claro que não deu certo. Torci e me retorci pela seleção feminina, pois é importante que elas tragam uma outra consciência em relação à indigência moral da seleção masculina dos Neymares, Danieis Alves e Robinhos, encerrados na bolha da alienação, do preconceito, da covardia e do negacionismo, com seus bifes banhados a ouro.
E a intervenção poética de Lúcia Helena não se limita ao futebol. Como é que poderemos enfrentar os desafios das mudanças climáticas, as desigualdades sociais ou as defasagens da educação? A fala de Lúcia Helena mostrou o poder que a poesia tem para encantar e sensibilizar sobre um valor que parece trivial, mas é essencial.