Clarice na linha

Publicado em Crônicas

 

Crédito: Edusp/Reprodução. Clarice Lispector não decifrou a esfinge, mas também não foi decifrada.

 

Neste momento delicado, esta coluna conseguiu uma mediúnica exclusiva com Clarice Lispector. Fala, musa!

 

Qual é o lugar do amor em sua vida?

Amar os outros é a única salvação individual que eu conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

 

E o que fazer para salvar os nossos índios?

Se continuarmos a ser objetos da ambição alheia, o brasileiro será um pobre coitado e continuar-se-á a matar não só índios, mas a nós também.

 

Não estamos vivendo um momento em que há resignação demais ante os absurdos em série?

Eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.

 

De onde vem a sua força?

Eu tenho uma força, eu sei. E minha força está na suavidade dos meus dedos frágeis e delicados.

 

Você concorda com os que a consideravam a sua literatura alienada?

Na verdade, sinto-me engajada. Tudo que escrevo está ligado, pelo menos dentro de mim, à realidade em que vivemos.

 

O que é escrever para você?

Escrever é abençoar uma vida que não foi abençoada.

 

Que conselho daria às mães?

À medida em que os filhos crescem, as mães devem diminuir de tamanho.

 

O que você diria a Deus se pudesse?

Venha, Deus. Mesmo que eu não mereça, venha. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. Mas tantos defeitos tenho: sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha.

 

Se você tem tanto amor dentro de você por quê tanta inquietação?

Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.

 

Como foi o seu encontro com a esfinge em uma pirâmide do Egito?

Olhei para ela, não consegui decifrar seu mistério, mas, em compensação, ela também não me decifrou.

 

Você é misteriosa, mas, ao mesmo tempo, cultiva as veleidades de mulher que podem parecer frívolas. Por que gosta de falar de perfume?

Eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva.

 

 

Agora, ligamos o telefone para pedir informação e falamos com robôs. A tecnologia te fascina?

Mas o amor é mais misterioso do que o cérebro eletrônico.

 

Você fica feliz em saber que é uma das personalidades mais famosas das redes sociais?

Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. Minha pequena projeção fere o meu pudor. O anonimato é suave como um sonho. Estou precisando desse sonho.

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