Severino Francisco
Estou estarrecido com a imagem que o caderno Cidades estampou na sexta-feira: os tratores do empreendimento imobiliário nas quadras 500 do Sudoeste avançam sobre um dos últimos trechos de vegetação nativa do Plano Piloto. É uma cena de ficção científica do gênero catástrofe.
A novela kafkiana se arrasta desde 2006. Recapitulemos os lances mais recentes. Na semana passada, o STJ derrubou a liminar que impedia as obras de construção da quadra. Argumentou que travar o empreendimento implicaria em “perda para a economia e para a ordem pública”.
É algo que compromete a qualidade de vida do bairro, com efeitos possivelmente nefastos ainda não avaliados sobre todo o Plano Piloto. Os relatórios de impacto ambiental que fundamentam a deliberação estão defasados; são de 2010. Só tinham validade para cinco anos.
Causa espanto que o Ibram (Instituto Brasília do Meio Ambiente) tenha liberado um projeto que provocará graves consequências para a qualidade de vida do bairro e de todo o Plano Piloto. Seriam imprescindíveis novos estudos para avaliar os impactos do empreendimento sobre o fluxo de veículos, o escoamento da água, o regime das chuvas e o clima.
Qualquer decisão sem esses dados cai no vazio. São deliberações absurdas em série. O argumento de que o projeto criaria empregos é frágil. Se o princípio for levado a sério, o desmatamento da Amazônia pelos madeireiros e ruralistas está plenamente justificado.
O projeto de construção das Quadras 500 do Sudoeste fere a escala bucólica do Plano Piloto, formada pelas áreas livres e arborizadas, que confere a Brasília o caráter de cidade-parque. A alegação de que o empreendimento vai amenizar o problema de carência de moradias no DF também não se sustenta: “Com base neste argumento, poderemos ver outras decisões justificando obras em áreas de parques, em áreas tombadas, ou aumento exponencial de gabarito na altura de prédios, que já vem ocorrendo de forma acelerada e assustadora pelo DF”, escreve um leitor, que prefere não se identificar. “Com esses argumentos predatórios e sem a defesa das instituições de direito, o que será de Brasília em algumas poucas décadas?”
Nos últimos anos, temos sofrido com temperaturas elevadas, inundações em prédios e mudanças no regime das chuvas. Se esse projeto insensato das Quadras 500 for levado adiante a situação vai ser agravar ainda mais.
Ele é, ecologicamente e urbanisticamente, insustentável. Expressa uma mentalidade atrasada. Os desejos predatórios da especulação imobiliária não podem prevalecer sobre o interesse coletivo. A Câmara Legislativa não pode se omitir em face de questão tão grave. Será esse o presente que o GDF, o Ibram e o STJ pretendem dar a Brasília nas comemorações dos 60 anos da cidade?