Bruxo emérito

Publicado em Crônicas
Crédito: Edy Amaro/Divulgação.  Hugo Rodas: sintonia com o momento dramático.

 

Severino Francisco

 

Liguei para Hugo Rodas, o nosso bruxo emérito do teatro. No ano passado, ele fez 80 anos e, em vez de receber presentes, nos brindou com dois maravilhosos espetáculos, que estabelecem sintonia direta com o momento dramático que vivemos: O rinoceronte e Os saltimbancos.

2020. Credito: Diego Bresani/Divulgação.  Os Saltimbancos, espetáculo com a Agrupação Teatral Amacaca, sob  direção de Hugo Rodas.

O primeiro provoca a santa indignação contra a estupidez reinante; e o segundo, celebra a alegria essencial da solidariedade: “Estamos voltando à coisa mais absurda, uma guerra santa, deus com uma metralhadora do outro lado”, diz Hugo, do outro lado da linha. “O rinoceronte é um pouco sobre isso”.

Crédito: Diego Bresani/Divulgação. Cena da peça O rinoceronte, com a Agrupação Teatral Amacaca (ATA), sob direção de Hugo Rodas: revolta contra o espírito de manada.

 

A morte é um momento de tristeza, de comoção, de fatalidade, mas também de amor extremo. Ante a irresponsabilidade e a indiferença dos governantes pela morte de mais de 100 mil brasileiros, Hugo concebeu a série de performances Quem parte é amor de alguém, em frente ao Museu da República e ao Teatro Nacional.

Crédito: Ichiro Guerra/Divulgação. Performance Quem parte é amor de alguém, em homenagem aos índios brasileiros.

Com as salas fechadas e a cultura inviabilizada, ele transformou a Esplanada dos Ministérios em teatro público: “É um teatro monumental fantástico, todos os personagens do Brasil estão vivos lá”. As performances de Hugo alcançaram repercussão nacional e até internacional. As imagens sobre as intervenções ficaram em quarto lugar entre as mais vistas da Agência Reuters no mundo.

Crédito: Renato Cortez/Divulgação. Cultura. Performance Quem partiu é amor de alguém.

Foi um lindo ritual de afeto, de solidariedade, de humanidade, de espiritualidade e de pertencimento. Esses brasileiros mortos não são números anônimos de estatísticas; eles são nossos.

 

Como se vê, Hugo está em estado de graça. Porém, ninguém imagina que, no momento, ele faz tratamento de quimioterapia contra o câncer. O médico que cuida de Hugo diz que o caso dele merece estudo. Não sofre com dores, o cabelo não caiu, a energia vital e o humor permanecem inalterados. Só pode ser uma força espiritual de afirmação da vida.

Crédito: Ichiro Guerra/Divulgação.  Performance em homenagem aos povos indígenas: ritual de pertencimento na Esplanada dos Ministérios.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          Mas, ao mesmo tempo, Hugo tem visão crítica dramática sobre o momento em que estamos vivendo. Não existem mais pessoas que amem os outros. A humanidade está meio zumbi. Tentaram nos adormecer com as drogas e com o pensamento. Não conseguiram, mas colocaram um computador dentro da gente, diz Hugo.

A sua geração tinha um legado político ao qual podia aderir ou negar. Mas os jovens de hoje não têm legado político; o único que eles têm é o da sobrevivência, é o de ganhar dinheiro para viver bem. No entanto, isso não adianta, argumenta Hugo, diante do desmatamento, de novas pandemias e do colapso humano das desigualdades sociais.

 

Crédito: Ichiro Guerra/Divulgação. Performance  Quem parte é amor de alguém: a Esplanada dos Ministérios como teatro da brasilidade.

De uma parte, Hugo constata que nós estamos trabalhando para o fim da humanidade. No entanto, de outra, ele luta com intensa alegria pela preservação da vida, pela arte, pelos índios, pelos jovens, pela saúde e pela afirmação do humano. Só entende a vida pelo amor, é a única energia que o mantém vivo.

 

Ele é um adolescente nato, não importa que tenha 80 anos. Gosta de trabalhar com os jovens para se renovar. Não quer ser uma árvore frondosa, ostentando frutos. Quer ser semente. Diante dele, todos, inclusive os jovens, somos caretas. Evoé, Hugo Rodas.

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