Braga e Vinicius

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

         Vinicius de Moraes era a favor de Brasília; Rubem Braga era contra. Os dois foram muito amigos e deixaram um legado de histórias divertidas, comoventes ou líricas. Braga considerava Vinicius um dos grandes poetas brasileiros modernos e não se conformava que se metesse com música popular. Mesmo assim, ao lançar um LP, o poeta cometeu a temeridade de pedir ao cronista que escrevesse algo para a contracapa.

       Ao receber o texto na mesa de um bar, em que estava também o amigo Millôr Fernandes, Vinicius leu atentamente o texto e, depois de finalizar, simplesmente rasgou tudo em pedacinhos. Em seguida, chamou o garçom e, no sotaque carioca carregado de esses, pediu, como se não tivesse ocorrido nada: “Garçom, um uisquinho”.

         Contra toda a má vontade de Braga, Garota de Ipanema, parceria de Vinicius com Tom Jobim, se tornaria um sucesso internacional. Mesmo assim, o cronista não desistiria da implicância e rabiscaria em um guardanapo na mesa de um bar esta paródia com versinhos infames: “Olha que coisa mais triste/E mais sem graça/É este velhote/Que vem e que passa/Em pesado balanço/A caminho do bar”.

          A verdade é que, embora Braga e Vinicius exigissem das mulheres que fossem deusas eternamente jovens, belas e perfeitas, os dois não estavam longe do retrato pintado pelo referido poeminha torpe.

         Todavia, há também lances misteriosos na trajetória do poeta e do cronista. Braga era amigo da então deslumbrante Lila Bôscoli e previu que ela e Vinicius se apaixonariam de maneira fulminante. Ao apresentá-los, disse apenas: “Lila Bôscoli e Vinicius. E seja o que Deus quiser”. Não deu outra. No dia seguinte, eles já estavam praticamente casados.

                Vinicius compôs um agudo retrato do amigo no poema Mensagem a Braga, escrito quando esse estava na Itália, na condição de repórter, com a missão de fazer a cobertura da Segunda Guerra Mundial: “Grave em seu gorro de campanha, suas sobrancelhas e seus bigodes circunflexos/Terno em seus olhos de pescador de fundo/Feroz em seu focinho de lobo solitário”.

          Nos tempos em que Vinicius estava em Hollywood, Braga compôs um poeminha para o amigo, intitulado Bilhete para Los Angeles: “Tu, que te chamas Vinicius/De Moraes, inda que mais próprio fora que Imorais/Quem te conhece chamara – Avis rara!/Tens uns olhos de menino/Doce e ladino/E és um calhordaço fino:/Só queres amor e ócio./Capadócio!/Quando a viola ponteias/As damas enleias/E as prendes em suas teias/Tanto mal já fizeste/Cafajeste! Apesar do que, faz falta/Tua presença, que a malta/Do Rio pede em voz alta:/Deus dê vida e saúde/Em Hollywood!”

         Os versos teriam inspirado uma canção, em ritmo de Se essa rua fosse minha, entoada pelos amigos de Vinicius, que provocava a irritação do poetinha, quando ele chegava ao bar Antonio’s: “Se eu tivesse muitos vícios/Eu me chamava Vinicius/Se esses vícios fossem muito imorais/Eu me chamava Vinicius de Moraes”.

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