Artistas na pandemia

Publicado em Crônicas
2020. Crédito: Wagner Hermusche/Divulgação.  Pintura de Wagner Hermusche: o poder destruidor do dinheiro em um planeta em chamas.

 

 

Sem livros, filmes e música, nós não aguentaríamos atravessar o isolamento social. Mas a pandemia afetou muito os artistas. Por isso, fiquei curioso para saber o que eles fazem nesses tempos. Hugo Rodas, o nosso bruxo emérito do teatro, que criou a linda performance Quem parte é amor de alguém, apresentada na Esplanada dos Ministérios, sentiu a falta da presença física dos amigos.

 

Hugo é um operário do teatro, acorda todos os dias às 7h e começa a trabalhar. No momento, dirige o espetáculo Poema confinado, sobre a experiência de isolamento social durante a pandemia, construído a partir das propostas de cada ator da trupe Agrupação Amacaca. Além disso, trabalha em uma montagem de Heliogábalo – O anarquista coroado, numa associação louquíssima entre a Agrupação Amacaca e o Teatro Oficina, de Zé Celso Martinez.

 

Mas ele aprendeu coisas interessantes. A performance Quem parte é amor de alguém foi uma parceria com Oscar Niemeyer e Lucio Costa, pois usou a Esplanada dos Ministérios como palco. E, para a vida, Hugo viu que não é preciso consumir tanto, é possível gastar o dinheiro de maneira mais lúcida.

Crédito: Ichiro Guerra/Divulgação. Imagem da performance artística Quem parte é amor de alguém,  em homenagem aos povos indígenas, sob a direção de Hugo Rodas.

 

Brasília é a musa do poeta Nicolas Behr. Mas ele tem a impressão de que a pandemia mudou a sua visão sobre a cidade. Adquiriu uma visão menos deslumbrada e mais realista. O isolamento social favorece a concentração; Behr escreve dois livros de poesia ao mesmo tempo: um sobre a Rodoviária e outro sobre a W3 Sul.

 

Crédito: Daniel Ferreira/CB/D.A Press.  Nicolas Behr: confinamento produtivo do ponto de vista da criação.

 

Convive bem com o confinamento e percebeu, durante esse tempo, que as obrigações sociais roubam muito tempo que poderia ser produtivo, provocam uma grande dispersão de energia. Depois da pandemia, antes de sair de casa, ele vai se perguntar: “Será que preciso mesmo comparecer à vernissage desta exposição?”

 

Reco do Bandolim, o comandante do Clube do Choro e da Escola de Choro Raphael Rabello, tem vivido dias dramáticos. Conhece cada instrumentista da cidade e isso potencializa a solidariedade. Sem espetáculos presenciais, os músicos ficaram à míngua. Tem sido comum tocarem nas superquadras e, em seguida, pedirem alguma ajuda para sobreviverem.

 

Crédito: Janine Moraes/CB/D.A Press. Reco do Bandolim: resistência durante a pandemia.

 

Por isso, Reco bolou um projeto para espetáculos musicais em forma de lives, em que os músicos se apresentariam de maneira virtual, com toda a segurança, e receberiam cachê. Mas não conseguiu patrocínio e o projeto se inviabilizou. No entanto, a Escola de Choro resiste com um curso pela internet. E Reco promete um grande projeto comunitário para o Clube do Choro no período pós-pandemia.

 

 

Em uma das telas recentes, intitulada Abismo, o artista plástico Wagner Hermusche pinta o planeta em chamas, com militares e índios armados até os dentes, e notas de R$ 100 mil voando pelo espaço. Ele mora em uma chácara, em meio ao cerrado bravo. Para Hermusche, a pandemia só revelou o pandemônio do mundo em que vivemos há muito tempo: um mundo destrutivo, injusto, desigual e inviável.

 

Aproveita o tempo livre para fazer pinturas em duas linhas: a abstrata, com traços nervosos de energia, e a figurativa, com o desdobramento da série Ruídos contemporâneos, sobre o mundo dominado pelas corporações, o império do dinheiro, a corrupção e a destruição ambiental. Como se vê, os artistas estão em nosso mundo.

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