A verve de Verissimo

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Mario Quintana escreveu que a morte não melhora ninguém. No caso de Verissimo, nem precisava. Mesmo assim, ela lança uma luz dramática reveladora de novos ângulos do personagem. Verissimo é o mais importante cronista pós-Rubem Braga. É impressionante como o talento dele borbulhou nas páginas efêmeras dos jornais e saltou, naturalmente, para o livro, o teatro, a televisão, as histórias em quadrinhos e o cinema.

Verissimo estava sempre com a verve gaúcha engatilhada na ponta da língua. Ao ser indagado em um filme sobre qual livro levaria para uma ilha deserta, ele respondeu de bate-pronto: “Um livro sobre como construir uma balsa para conseguir deixar uma ilha deserta”. Ser filho de um artista famoso, como era o caso de Luis Fernando Verissimo, não é fácil. Luis Fernando constitui um caso raro de talento à altura do pai.

Habitante do silêncio, extremamente tímido, Verissimo exercitou um olhar original sobre os fatos cotidianos, os acontecimentos políticos ou a comédia da vida privada. A impostura, a arrogância ou a tolice recebem um jato de luz da inteligência, do humor e da ironia. Mas sempre de uma maneira extremamente elegante. Verissimo brincava que nunca havia detectado nenhuma mensagem de ódio das redes sociais porque, simplesmente, só lia os os elogios.

No entanto, apesar da verve gaúcha, os seus textos não suscitam, particularmente, o ódio. Tudo se dissolve em uma ironia requintada ou em uma gauchada de grossura hilariante, como ocorreu na entrevista à Folha de S. Paulo, na qual responde ao repórter qual seria a indicação que Lindaura, a secretaria do Analista de Bagé, faria ao psicanalista se recebesse a visita de Olavo de Carvalho: “Ela avisaria: ‘esse veio pelo SUS, doutor, que no caso dele quer dizer Sou Uber Sim.”

Verissimo é melhor no conto e no pequeno ensaio do que na crônica confessional clássica. Vislumbro semelhanças entre os personagens impagáveis do Analista de Bagé, a Velhinha e o Primo Altamirando e a Tia Zulmira de Stanislaw Ponte Preta. O humor é um elemento que perpassa os textos de Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Hilda Hilst ou Paulo Mendes Campos. No entanto, ele está presente de maneira mais intensa no Verissimo e em Stanislaw.

E não deixava de ser cronista quando concedia entrevistas, sobretudo, as escritas, nas quais deixava jorrar a verve gaúcha. Embora marcado pela leveza, o humor de Verissimo não se confunde com as gracinhas obscurantistas que pululam na selva selvagem da internet. Ele tinha uma perspectiva humanista, ilustrada e sensível para as questões sociais. No entanto, nunca foi um panfletário, criticava e assumia posições de uma maneira inteligente, sutil e elegante.

Que eu me lembre, Verissimo fez um único elogio a Brasília. Em 2014, o ilustre colega gaúcho escreveu: “Fizemos muita bobagem – guerras, filhos demais, carros com rabo de peixe, Brasília – mas também coisas admiráveis: a Catedral de Chartres e a Patricia Pillar”. Patricia nasceu em Brasília. Sem Brasília, não haveria Patricia Pillar.

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