A taxação de livros

Publicado em Crônicas

 

Crédito: Cristiano Gomes/CB/D.A Press.

 

 

Severino Francisco

 

Nos tempos em que eu lecionava em uma faculdade particular, tinha uma aluna, chamada Andreia, que se distinguia por uma singularidade: registrava todos os poemas preferidos de Carlos Drummond de Andrade em um caderno. Eu dizia: Andreia está salva. Alguns alunos perguntaram: mas salva de quê? Salva da ignorância, da estupidez, da mesmice, da desumanidade, da indiferença e do desamor à cultura, eu respondia.

 

Enfim, livre da maioria das mazelas que nos assolam. Torço para o Corinthians, mas nunca obriguei ou induzi um filho a aderir a meu time. Em compensação, no caso dos livros, confesso que apelei para os recursos mais condenáveis no sentido de que se tornassem leitores. Se lessem Alice no País das Maravilhas, ganhavam R$ 50. Eles replicavam: é um livro chato. Pode achar o que quiser, mas leia, eu insistia.

 

Confiava que a leitura de Alice no País das Maravilhas é uma experiência riquíssima de imaginação, que não passaria incólume, floresceria em algum momento no espírito. E, de fato, os meus dois filhos se tornaram leitores apaixonados. A leitura é um passaporte para o êxtase, o prazer, a diversão e o conhecimento.

 

Essas evocações me vêm por causa da notícia de que o ministério da Economia pretende eliminar a isenção de imposto para os livros, com a nova reforma tributária. Calcula-se que isso representaria um aumento de cerca de 20% no preço dos livros para o consumidor.

 

Os argumentos do ministério da Economia são falaciosos sob todos os aspectos. Do ponto de vista econômico, consideram ricos os que ganham mais de 10 salários mínimos. Ora, segundo classificação do IBGE, estão situados na faixa B, ou na classe média, os que têm remuneração de R$ 10 450 a R$ 20.900. Os ricos são os que se situam na faixa de faturamento mensal acima de R$ 20.900.

 

É absurdo considerar o livro um artigo de luxo. Artigos de luxo são iates, jatinhos, helicópteros, casacos de pele e as grandes fortunas. Que elas sejam taxadas, mas deixem o livro em paz. Ser leitor é uma pré-condição imprescindível para a educação. O mundo do trabalho na era da informação é fundado no conhecimento. Se você dificulta o acesso ao conhecimento aumenta ainda mais a desigualdade social.

 

É algo que afeta a educação, a cultura, o trabalho e a economia. Prejudicará alunos de graduação, de pós-graduação e professores. Facilitar o acesso ao livro é um item essencial de uma agenda do desenvolvimento.

 

O ministro Paulo Guedes quer que os pobres sejam também pobres de espírito. Essa medida nada tem de liberal; é apenas atrasada, obscurantista e inócua. É uma medida jeca total. A lógica que orienta a decisão é: se o povo não consome filé, não compra computadores ou não estuda em faculdades particulares, esses são artigos de luxo e não interessam aos pobres.

 

Além disso, a medida não vai sanar o buraco do orçamento, estourado por emendas para segurar os remédios amargos que o Congresso Nacional terá de usar em algum momento. A facilidade de acesso aos livros tem de ser considerada investimento em educação, e não despesa. É uma riqueza da nação e, portanto, essa medida do atraso precisa ser barrada no Congresso.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*