Severino Francisco
Ontem, pela manhã, uma amiga me enviou uma mensagem com a reprodução de uma matéria do Correio, perpassada de incredulidade: é verdade que Paulo Pestana morreu? Ela pensou que talvez pudesse ser uma fake news. Era verdade, uma verdade que nos deixa meio atordoados.
Foi uma partida abrupta e, por isso mesmo, mais chocante. Pelo que se sabe até agora, de repente, Paulo sentiu dores nas pernas, durante a noite de domingo, foi internado no hospital e morreu na manhã de ontem. A suspeita é de que a morte tenha sido provocada pela dengue.
Trabalhei com Paulo Pestana, na década de 1980, no Correio. A lembrança mais marcante que tenho é a do episódio da cobertura do lançamento de uma banda desconhecida da cidade. Paulo gostava muito de música, acompanhava tudo, viajava para assistir shows de jazz ou comprar discos raros numa época em que não havia ainda a comodidade da internet nos negócios da cultura.
Certo dia, ele propôs a pauta com uma banda da cidade que considerava muito talentosa. Topei e fomos à tarde até o antigo Pamonhão Kalu, na 106 Comercial Sul. A conversa começou às 13 e se estendeu pela tarde. Depois da entrevista, fui para casa ouvir o disco e gostei muito. Ao chegar à redação, no dia seguinte, Paulo me perguntou: “E, aí, você acha que a gente dá uma capa? Os outros editores vão comer o nosso fígado”. Não tive dúvida: era capa. Paulo topou e, no dia seguinte, como previra, o mundo caiu sobre a nossa cabeça: “Como vocês dão capa para uma bandinha de Brasília?”
Por um desses caprichos do destino, algumas semanas depois, após um show histórico no Circo Voador, o rock brasiliense estourou em plano nacional. As “bandinhas da cidade” eram Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Na citada matéria, Paulo comentava: “O papo rolou durante toda tarde no Pamonhão Kalú da Asa Norte e, pela primeira vez, em público, se viu um sujeito tomando conhaque com jujubas. Era Renato Russo, o cabeça principal da Legião”.
Na crítica ao disco, ele bancou a Legião quando era uma banda quase desconhecida, a não ser nos subterrâneos da cidade: “Chega de titãs, abelhas e vinis: o lance a partir desta semana é a Legião Urbana, que está lançando o primeiro disco e tentando salvar o claudicante rock nacional da mediocridade geral”. E, arrematava: “A Legião vai tomando forma como um grupo de rock, simplesmente. Modéstia à parte, o melhor do Brasil. Aí,Renato até que tem algo de Jerry (Adriani), mas nada tão preocupante”.
Depois os caminhos da vida nos separaram em lugares e posições divergentes. Nos reencontramos em outro jornal quando Paulo se tornou editor-chefe. Em um projeto no qual não havia espaço para utopia, ele criou um caderno de ideias e me pediu para editar. Claro, não deu certo, pois o contexto era totalmente adverso. No entanto, me pareceu um gesto de apreço pela cultura, de reconhecimento e de generosidade, pois não éramos amigos.
Nesta partida não anunciada e abrupta, adivinhamos o mistério de nossa morte. Estamos sitiados e expostos pelo Aedes e por muitos outros perigos. É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte, ecoa em meu ouvido a canção de Caetano.
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