Justiça Federal decide que crimes de ex-agentes da ditadura não prescrevem

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TRF3 destaca a punição por dissimular motivos das mortes. Médico Harry Shibata é acusado de falsidade ideológica por omitir em laudo necroscópico sinais de tortura nos corpos de dois militantes assassinados em 1973. Para o MPF, ainda, “não há nenhuma dúvida de que o crime de ‘desaparecimento forçado’ se enquadra dentre os crimes contra a humanidade reconhecidos pelo Direito Internacional”
Foto: Unicentro.br

 

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e  reconheceu que não há prescrição da pretensão punitiva do Estado, em crime de falsidade ideológica de ex-agente da ditadura militar. A decisão atendeu à denúncia contra o médico legista Herry Shibata, pelos laudos necroscópicos falsos que esconderam sinais de tortura de dois militantes políticos assassinados pelos órgãos de repressão.

Trata-se da morte de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, que foram presos ilegalmente e cruelmente torturados entre agosto e setembro de 1973. Segundo a acusação, o episódio supostamente teve a participação de figuras destacadas entre os oficiais responsáveis pela aniquilação de opositores do regime militar, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o agente policial Luiz Martins de Miranda Filho e o coronel Antônio Cúrio Neto, entre outros.

Embora os óbitos tenham sido causados por intensas sessões de espancamento e uso de instrumentos de tortura, informa a denúncia que o laudo assinado por Shibata, único ex-agente da ditadura que teve algum envolvimento nessas mortes, omitiu marcas evidentes nos corpos das vítimas e apenas endossou a versão oficial forjada na época, de que os militantes haviam sido mortos após troca de tiros com agentes das forças de segurança.

O processo havia sido extinto na primeira instância da Justiça Federal, sob a alegação de que o crime estaria prescrito, uma vez que o crime de falsidade ideológica não se classificaria como crimes contra a humanidade. O MPF rebateu o argumento, lembrando que não é necessário que cada uma das condutas delitivas que se enquadrem no conceito de crime contra a humanidade sejam estritamente tipificadas pelo Direito Internacional, ou seja, expressamente indicadas nos textos internacionais ou nos Tratados com todos os seus contornos. “Embora o princípio da legalidade se aplique no âmbito internacional, está sujeito a um número significativo de nuances, que devem ser consideradas”, aponta em seu parecer ao Tribunal.

O MPF afirma ainda que “não há nenhuma dúvida de que o crime de “desaparecimento forçado” se enquadra dentre os crimes contra a humanidade reconhecidos pelo Direito Internacional”, ressaltando que tal conduta, em razão de sua complexidade, “envolve a prática de diversos outros delitos, inclusive o crime de falsidade ideológica”. Isso, num “contexto histórico específico, em que vigia no Brasil uma ditadura, caracterizada pela supressão dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e pela violação massiva dos direitos humanos, inclusive com assassinatos, sequestros, desaparecimentos, torturas, estupros e outras práticas nefastas contra os opositores políticos”. Esses crimes, ressalta o MPF, são considerados de lesa-humanidade pela comunidade internacional.

Por maioria, a 11ª Turma do TRF3 acolheu tais argumentos e afastou a prescrição dos crimes cometidos pelo médico legista, determinando o retorno do processo à primeira instância da Justiça Federal, para continuidade da tramitação do processo.

Sobre as mortes

Manoel Lisboa de Moura foi preso no dia 16 de agosto de 1973 em Recife (PE) na Operação Guararapes, que tinha como alvo os integrantes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e contava com a atuação do delegado Fleury. As torturas começaram ainda a caminho da unidade do Exército na cidade, com a aplicação de choques dentro da viatura. Nos dias seguintes, o militante foi submetido a contínuos interrogatórios, durante os quais sofria agressões, queimaduras e empalamento.

Os agentes chegaram a colocá-lo em um pau-de-arara (barra na qual a vítima fica com os pés e as mãos amarrados, de cabeça para baixo), usar a chamada “cadeira do dragão” (assento para a descarga de corrente elétrica por fios amarrados nas orelhas, na língua ou inseridos na uretra) e disparar tiros, tudo na busca de informações que Manoel pudesse revelar sobre a organização política.

Por motivos desconhecidos, Manoel foi transferido para o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) em São Paulo, onde não se sabe se já chegou morto entre o fim de agosto e o início de setembro. Naquele mesmo período, o destacamento na capital paulista recebeu seu correligionário Emmanuel Bezerra dos Santos, capturado por agentes da Operação Condor, uma ação articulada entre as ditaduras sul-americanas para o extermínio de militantes de esquerda.

O tratamento dispensado a ele na unidade foi igualmente brutal e o levou à morte. Durante as sessões de tortura, Emmanuel teve o pênis, os testículos, o umbigo e dedos arrancados, além de sofrer intensos sangramentos pelo uso do “colar da morte”, um sabre escaldante que os torturadores passavam em volta de seu pescoço, causando profundas queimaduras.

Manoel e Emmanuel foram alvejados com tiros para que as perfurações tornassem verossímil a versão forjada para as mortes. Os relatos oficiais, porém, contêm divergências que revelam sua falsidade. Segundo o Exército, Manoel já estava sob custódia e seria usado como isca para a detenção de Emmanuel, que teria reagido e dado início ao tiroteio no momento da abordagem no Largo de Moema, zona sul de São Paulo.

Já o inquérito policial concluiu que ambos reagiram juntos a uma ordem de prisão no local, disparando contra os policiais. Recentemente, uma tenente que trabalhava no DOI-Codi confidenciou, em entrevista ao jornalista Marcelo Godoy, que tudo não havia passado de uma encenação: agentes do próprio órgão haviam simulado o episódio, com uso de balas de festim e sem a presença das vítimas.

Os corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) com pedidos de necrópsia marcados com a letra “T”. O símbolo era um código usual entre os agentes da ditadura para identificar os considerados “terroristas”, opositores cujos restos mortais deveriam passar por uma análise diferenciada que corroborasse as versões dadas pelas autoridades para os óbitos.

No caso de Manoel e Emmanuel, Harry Shibata foi um dos responsáveis pelos relatórios que indicaram como causas das mortes apenas choque hemorrágico e hemorragia interna em virtude de ferimento por arma de fogo. Nada foi dito nos documentos sobre os hematomas, as amputações e as queimaduras. Apesar de os pedidos de necrópsia conterem todos os dados pessoais das vítimas, Manoel e Emmanuel foram enterrados como indigentes no cemitério Campo Grande, na capital paulista, em caixões lacrados. Os corpos só foram encontrados e identificados em 1992.

Processo nº 5001756-20.2020.4.03.6181
Íntegra do Acórdão.

Bolsonaro: 30 anos de crimes contra a democracia

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“Precisamos levar os fatos ao conhecimento do mundo com o pedido de indicação de observadores internacionais ao país para serem testemunhas, que nos permita futuramente levá-lo aos bancos dos réus. Bolsonaro é um exemplo claro das falhas das nossas instituições. Eleições não autorizam o autoritarismo e nem o incentivo à guerra civil. A tarefa de reconstrução da democracia no Brasil será enorme. Não se pode deixar de chamar pelo nome correto quem torturou e matou. Uma parcela dos ricos brasileiros não confessa, mas odeia a ideia de que o seu voto seja igual ao de qualquer outro do povo e pensam: ‘Imagina se eu, com os meus milhões, posso ser igual a qualquer um’”

Sandro Alex de Oliveira Cezar

A invasão de hospitais onde são tratadas as vítimas da pandemia do novo coronavírus, por ordem do presidente da República Jair Bolsonaro, tem como objetivo matar a memória dos mais de 41.000 mortos de Covid-19, utilizando-se da mentira como um método de fazer política e tentando colocar a maior tragédia da história recente da humanidade como um combate ideológico.

As ausências de manifestações de solidariedade, de carinho e de amor ao próximo são as fortes marcas de um caráter deformado, presente em outras figuras nefastas com os quais o mundo já teve que conviver. Estamos experimentando um mistura de fascismo com nazismo, com mais de 80 anos de atraso. A Europa conheceu os horrores das mentes doentias de Benito Mussolini e Adolf Hitler, cuja experiência levou a criação, no pós-guerra, em 1945, de um novo sistema de justiça global.

Nesta nova realidade brasileira, não podemos minimizar os acontecimentos do período pós-eleitoral: temos na Presidência da República um homem que cultiva a figura de inimigos internos. Não se trata de algo simples. Ao contrário, temos uma grande complexidade neste caso, pois Bolsonaro não é uma ameaça somente ao Brasil, mas é um inimigo de conceitos que não são só nossos, mas de toda a humanidade, logo deve ser tratado com uma ameaça à estabilidade da região ao violar princípios que são universais: Democracia e Direitos Humanos.

Bolsonaro é um exemplo claro das falhas das nossas Instituições. Como pode um homem defender fuzilamento de um presidente da República, defender tortura de presos políticos, atentar contra a memória das vítimas da ditadura – dizendo não ser cachorro para procurar ossos de desaparecidos do horror brasileiro e dizer em plenas eleições que iria fuzilar adversários políticos? Toda esta insanidade sendo tolerada sob o manto propositalmente adulterado dos princípios da liberdade de expressão ou da imunidade parlamentar.

A Democracia é o regime das leis. Enganam-se os que acham que seja o regime do “tudo é permitido”, pois, ao contrário, é o regime das liberdades até o extremo limite que o direito de um acaba, exatamente onde começa o direito do outro.

Uma parcela dos ricos brasileiros não confessa, mas odeia a ideia de que o seu voto seja igual ao de qualquer outro do povo e pensam assim: “Imagina se eu, com os meus milhões, posso ser igual a qualquer um”. Em resumo, tem um grupo social que imagina ser o dono do Brasil, acreditando que tudo aqui só possa ser seu, de ninguém mais.

Neste momento, espero que o partido que chegou em segundo lugar nas eleições presidenciais de 2018, com mais de 47 milhões de votos, fale à sociedade, em pronunciamento formal, em um grito de Basta! Cabe a ele a responsabilidade e a legitimidade imposta pelas urnas, que o consagrou como o contraponto ao obscurantismo representado por aquele que ofendeu as mulheres, os negros, os LGBTI, as vítimas dos horrores da guerra que vivemos todos os dias com milhares de assassinatos e fez as defesas das armas e da violência policial. Nem todo mundo que votou em Bolsonaro é fascista, mas todo fascista, com certeza, votou em Bolsonaro, mesmo que nem saiba o que significa o fascismo.

A tarefa de reconstrução da democracia no Brasil será enorme. Não se pode deixar de chamar pelo nome correto quem torturou e matou. Não existe Anistia para crimes contra a humanidade. O pacto que levou a redemocratização do Brasil não pacificou por completo os espíritos. São muitos anos de comemorações nos quartéis de crimes praticados contra civis no dia 31 de março, afinal aqui não teve guerra civil, teve reação ao arbítrio, o que é mais que um direito. Sempre será um dever do homem lutar pela liberdade.

O que Bolsonaro fez até agora ofende a civilização. A prática de defesa à luz do dia de golpe de Estado deve ser tratada como violação às regras do Direito Internacional. Não basta o impeachment, mas as defesas de mortes e torturas já o colocam no caminho de ser responsabilizado pelo Tribunal Penal Internacional. Deve ser exemplarmente punido, pois eleições não autorizam o autoritarismo e nem incentivo à guerra civil. O Brasil é mais importante do que esta gente. Não acreditem que seja possível repetir 1964, a Ordem Mundial agora é outra.

Estou entre os que acreditam que esta gente é insana, logo podem acabar derrubando o regime democrático, mas as consequências serão inimagináveis, pois desta vez não terminará em Anistia, serão julgados e punidos, se não for no Brasil, serão levados a jurisdição das Cortes Internacionais.

O Brasil aderiu à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, em 2002, e escandalizar o mundo como Jair Bolsonaro vem fazendo, com violações às medidas sanitárias orientadas por organismo multilateral, assim como determinar a invasão de hospitais, pode ser capitulado como crime de genocídio. Alguém precisa parar os facínoras. Generais ameaçam as Instituições da República, até quando?

Se as Instituições no Brasil não frearem os desvairados, precisamos levar os fatos ao conhecimento do mundo com o pedido de indicação de observadores internacionais ao país para servirem de testemunhas, que nos permita futuramente levá-los aos bancos dos réus. Afinal, só nesta pátria imensa que os torturadores de ontem se acham no direito de ameaçar as vítimas e circulam livremente fazendo, inclusive, na Câmara dos Deputados, uma saudação odiosa no dia da votação do impeachment: Viva Carlos Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rousseff.

Sandro Alex de Oliveira Cezar – presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) e da Central Única dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (CUT/RJ).

Ascema Nacional repudia ameaça do Presidente da República e anuncia providências

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Em nota, a Ascema sai em defesa dos servidores da área ambiental e condena das declarações de Jair Bolsonaro sobre a lembrança aos tempos de tortura da ditadura militar. “A “ponta da praia” era o “apelido” usado pelos militares para se referir à Base da Marinha do Brasil na Restinga de Marambaia/RJ, para onde eram encaminhados opositores do regime marcados para morrer. Era um centro de tortura de onde dificilmente se saía vivo.”, explica

Veja a nota:

“A Associação dos Servidores Ambientais Federais (Ascema Nacional) adotará medidas cabíveis acerca da ameaça do Presidente da República contra os servidores, tanto no Brasil, como nos fóruns internacionais de Direitos Humanos.

Na última sexta-feira (1), o presidente Jair Bolsonaro agravou a pressão que os servidores públicos da área ambiental vêm sofrendo. Sobre a dificuldade do dono da Havan, Luciano Hang, conseguir uma licença ambiental para construção de uma loja da rede em Rio Grande (RS), na visão presidencial, os servidores atrapalham o progresso do país, segundo vídeo postado em suas redes sociais:

“Eu tenho ascendência, porque os diretores, o presidente têm mandato, porque se não tivessem, eu cortava a cabeça mesmo. Quem quer atrapalhar o progresso vai atrapalhar na ponta da praia, aqui não.”

A “ponta da praia” era o “apelido” usado pelos militares para se referir à Base da Marinha do Brasil na Restinga de Marambaia/RJ, para onde eram encaminhados opositores do regime marcados para morrer. Era um centro de tortura de onde dificilmente se saía vivo.

Muitos dos “desaparecidos” da ditadura militar passaram por aquelas instalações. O presidente da república, nos obriga, com suas declarações, a rememorar o que foi aquele período obscuro do País, do qual ele e seus filhos têm tanta saudade.

Ameaças às instituições como STF, à imprensa, aos servidores públicos, às populações tradicionais e a inoperância no enfrentamento de crimes ambientais não podem ser a tônica de um governo que se pretenda democrático.

Diante da gravidade das declarações, a Ascema Nacional decidiu adotar todas as medidas cabíveis para coibir este tipo de atitude para proteger a integridade física dos servidores e a dignidade humana.

Brasília, 2 de novembro de 2019
Diretoria Executiva”

Jovem negro é amarrado nu, agredido e filmado em supermercado de SP

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Em protesto, a Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio Racismo e Tortura divulgou uma nota de repúdio e organiza uma manifestação em frente ao no sábado, 7 de setembro, às 10h30, em frente ao Supermercado Ricoy. A tortura foi feita por dois seguranças, que tiraram as roupas, amordaçaram e chicotearam um adolescente negro de 17 anos, em situação de rua, que trabalhava com materiais recicláveis. Ele foi acusado de ter pego um chocolate

Veja a nota:

“Foi o que aconteceu com o adolescente de 17 anos, no Ricoy da Vila Joaniza, localizado na Avenida Yervant Kissajikian. A Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio junto com entidades e a sociedade civil vem, por meio desta, manifestar repúdio total à tortura cometida por 02 segurancas do supermercado Ricoy, no mês de agosto de 2019, quando o jovem negro, reciclador de materiais recicláveis e atualmente em situação de rua, foi acusado de supostamente pego chocolate do supermercado Ricoy.

Por causa dessa suposta acusação, foi levado para uma sala, onde tiraram suas roupas, ele foi amordaçado e chicoteado pelos 02 seguranças. E toda a ação foi filmada e disparada nas redes sociais.

Manifestação do racismo estrutural da sociedade, esse ato de extrema violência contra um jovem negro é motivo de repúdio e revolta.

Lei da Chibata nunca mais. Tortura nunca mais. Racismo nunca mais.

A Rede de proteção contra do genocídio da população negra, acredita na luta cotidiana para dar visibilidade e combater as injustiças e violências que ocorrem nas periferias de São Paulo, na construção do poder popular.
E de acordo com a nossa Constituição ninguém será submetido a tortura e racismo é crime.

Manifestamos, ainda, nossa solidariedade aos familiares e amigos e repudiamos veementemente o silêncio das autoridades sobre a investigação e a impunidades dos seguranças e do supermercado Ricoy.

Exigimos justiça já, respostas a investigação e boicote às compras nesta rede de supermercados.

CHEGA DE VIOLENCIA – CHEGA DE RACISMO

Para fortalecer a luta, impedir ações como essa e com solidariedade aos familiares e sociedade envolvida, convocamos para o ATO QUE SERÁ DIA 07/09/2019, EM FRENTE AO SUPERMERCADO RICOY DA AVENIDA YERVANT KISSAJIKIAN, 1918 – VILA JOANIZA

Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.
São Paulo, 03 de setembro de 2019.
Assina:
Uneafro
REDE Quilombação”

Denúncias apontam que três presos sofrem tortura a cada dia no Rio

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Número representa a média de 931 relatos de agressões físicas e psicológicas recebidos pela Defensoria Pública do Estado (DPRJ), no período de 10 meses. Relatório sobre os casos foi lançado nesta sexta-feira (2). Segundo os registros, os agentes de segurança pública seriam os principais autores das violações. O levantamento da DPRJ resulta do Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura da Defensoria Pública, o primeiro do Brasil. As vítimas têm perfil comum no sistema penitenciário brasileiro: do total de denúncias, 895 foram feitas por homens, 590 por pessoas que não completaram o ensino fundamental e 659 por pretos e pardos

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) recebeu 931 denúncias de tratamentos desumanos contra pessoas presas ao longo de 10 meses. O total de relatos resulta em uma média de três presos agredidos de forma física ou psicológica por dia durante o período pesquisado – ou seja, de agosto de 2018 a maio deste ano. Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (2/8), durante o Seminário Pelo Fim da Tortura, que a instituição realiza em sua sede, no Centro da Cidade do Rio de Janeiro. Segundo os registros, os agentes de segurança pública seriam os principais autores das violações.

Do total de denúncias, 903 (ou seja, 98%) foram feitas pelas próprias vítimas – sendo a maioria (96%) durante a audiência de custódia, na qual a pessoa detida em flagrante é apresentada a um juiz responsável por avaliar a necessidade ou não de manter a prisão. Desse total, 869 afirmaram ter sofrido agressões físicas. Deste universo, 412 (57%) disseram que a lesão ainda estava aparente. Agressões psicológicas foram relatadas por 311 presos.

O levantamento produzido pela DPRJ resulta do Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura da Defensoria Pública, que completou um ano no último dia 26 de junho. Criado pela Resolução 932/2019, o protocolo estabeleceu um fluxo para os casos de tortura que chegam à instituição por meio de seus órgãos de atuação presentes em todo o estado do Rio. Cada denúncia é encaminhada para o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), que assume o monitoramento e adota as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para a devida responsabilização. A compilação das denúncias recebidas é feita pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria.

Segundo aponta o levantamento, as vítimas têm um perfil comum no sistema penitenciário brasileiro. Do total de denúncias, 895 foram feitas por homens, 590 por pessoas que não chegaram a completar o ensino fundamental e 659 por pretos e pardos.

O defensor público Fábio Amado, que coordena o Nudedh, explicou que a produção de estatísticas sobre abordagens violentas por parte de agentes do Estado tem o objetivo de contribuir nas ações estratégicas para coibir práticas desta natureza. De acordo com ele, o protocolo da Defensoria também reforça a missão constitucional da instituição de defender os direitos humanos. Apesar de o combate a esse tipo de violação ser também responsabilidade do Estado, o defensor ressalta que tratamentos desumanos ou degradantes ainda são um problema sistemático e generalizado no país.

“As denúncias de tortura no Rio de Janeiro refletem a perpetuação dessa prática, principalmente no momento da detenção. Existe, infelizmente, uma naturalização dessa prática tão grave que é a tortura. Por esse motivo, criamos o Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura da Defensoria Pública do Rio: o primeiro do Brasil, até onde temos notícia, feito por uma instituição do sistema de Justiça. O objetivo é coletar e organizar dados que efetivamente possam ajudar a pôr fim a essa prática odiosa”, destaca.

A defensora pública Mariana Castro, que integra o Nudedh, completa destacando que a produção de estatísticas contribui para o debate sobre o tema, assim como para a implementação de políticas públicas contra a tortura.

“Os dados ajudam a conscientizar a população e os governantes sobre a magnitude do problema, para que assim possam defender medidas legislativas ou administrativas que combatam essas práticas de forma mais efetiva”, afirma.

A tortura
Do total de presos que relataram ter sofrido agressão física, 824 indicaram o local. Os lugares mais apontados foram “aonde ocorreu a prisão” (760 relatos), a “delegacia” (36), a “unidade prisional” (19) e a “viatura da Polícia” (13). Com relação ao agressor, policiais militares figuram em primeiro lugar, com 687 denúncias. Populares e agentes penitenciários, da Polícia Civil e segurança privada também aparecem como autores, de acordo com 104 casos registrados.

O protocolo também identificou o perfil das decisões judiciais proferidas nos casos com denúncia de agressão. Ao todo, a Defensoria Pública analisou 574 determinações proferidas nas audiências de custódia do Rio. Em 85% delas, o juiz se manifestou sobre as violações alegadas pelo réu, ainda que para dizer que o caso deve ser apreciado pelo juiz natural ou para indeferir algum pedido relacionado à apuração das agressões.

A tortura não foi levada em consideração para a concessão da liberdade ou do relaxamento da prisão. Do total analisado, 84% tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva nas audiências de custódia.

Origem das denúncias
Ainda segundo o relatório, 98% das denúncias de tortura (ou seja, 911) foram encaminhadas ao Nudedh por órgãos de atuação da própria Defensoria Pública. O restante dos relatos foi enviado por instituições como o Disque Direitos Humanos. Para Fábio Amado, falta uma conscientização sobre o problema.

“A Defensoria Pública pretende se reunir com os secretários das Polícias Militar, Civil e de Administração Penitenciária para apresentar os dados de forma minuciosa e cooperar na construção de fluxos eficientes para prevenir e combater esses desvios dentro do sistema de segurança e de Justiça”, destaca o defensor.

Leia  aqui o levantamento na íntegra.

Após recomendação do MPF, prefeito de Petrópolis decreta desapropriação da Casa da Morte

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Local foi utilizado como centro clandestino de tortura pelo CIE durante a ditadura, onde ocorreram casos de tortura e morte no período do regime militar. Foi localizado por Inês Etienne Romeu, única prisioneira política a sair viva do aparelho. O imóvel foi emprestado pelo proprietário Mário Lodders ao Exército. O tenente-coronel reformado Paulo Malhães disse que o objetivo era pressionar os presos a mudarem de lado e se tornarem informantes infiltrados. Os atos ilícitos de cárcere privado e de tortura dos militares foram entre 5 de maio e 11 de agosto de 1971, na “Casa da Morte”

Após recomendação do Ministério Público Federal (MPF), a prefeitura de Petrópolis publicou o decreto 649, de 29.01.2019 que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, o imóvel conhecido como Casa da Morte. O local foi utilizado como centro clandestino de tortura pelo Centro de Informações do Exército (CIE) durante a ditadura militar onde ocorreram casos de tortura e morte.

O decreto foi publicado no Diário Oficial do Município, no dia 30 de janeiro de 2019. No documento, as procuradoras da República Vanessa Seguezzi e Monique Cheker fizeram um rápido histórico da importância do imóvel não somente para a cidade de Petrópolis, mas também para a memória nacional de fatos ocorridos na época do regime militar. Destacou-se, também, que o Conselho de Tombamento Municipal declarou, no dia 21 de novembro de 2018, a importância histórica e cultural do imóvel agora desapropriado.

Casa da Morte

O imóvel localizado na Rua Arthur Barbosa, nº 50 (antigo 668-A), Caxambu, foi utilizado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como aparelho clandestino de tortura durante o período do regime militar e foi localizado por Inês Etienne Romeu, única prisioneira política a sair viva do aparelho, conforme declarações prestadas junto ao Conselho Federal da OAB no RJ1. O imóvel foi emprestado pelo então proprietário Mário Lodders ao Exército e, segundo o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, em depoimento prestado à Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro, o local foi criado para pressionar os presos a mudarem de lado, tornando-se informantes infiltrados.

Paulo Malhães também confirmou que Inês Etienne Romeu foi sequestrada por iniciativa de um coronel que queria fazer dela, uma agente infiltrada.

Além do depoimento de Inês Etienne Romeu, e de outros envolvidos, os atos ilícitos de cárcere privado e de tortura praticados por servidores militares no período compreendido entre 5 de maio e 11 de agosto do ano de 1971, na “Casa da Morte”, foram reconhecidos por decisão judicial da 17ª Vara Federal Cível de São Paulo (processo nº 0027857-69.1999.4.03.6100).

 

MPF pede celeridade em tombamento dos centros de tortura e inteligência do regime militar

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Local conhecido como Casa da Morte fica em Petrópolis (RJ) foi um dos principais centros clandestinos utilizados na prática de graves violações aos direitos humanos

O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendações ao prefeito e ao coordenador de Planejamento e Gestão Estratégica de Petrópolis para que haja celeridade no procedimento de tombamento dos imóveis nº 50 (antigo número 668-A) e nº 120, na Rua Arthur Barbosa, Caxambu, Petrópolis (RJ), para futura utilização como Centros de “Memória e Verdade”. Os imóveis  foram usados, respectivamente, como centro de tortura e centro de inteligência na época do regime militar (final da década de 60 e início da década de 70).

A Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), foi um dos principais centros clandestinos, com graves violações de direitos humanos: detenção ilegal e arbitrária, tortura, execução e desaparecimento forçado. As informações mais importantes a seu respeito têm origem no depoimento de sua única sobrevivente, Inês Etienne Romeu, e são complementadas e corroboradas por documentos produzidos pelo próprio Estado, bem como por testemunhos de ex-presos políticos e depoimentos de agentes da repressão.

Clique aqui e leia as recomendações.

A recomendação menciona, além de conclusões da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da Procuradoria-Geral da República, a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Presidencial nº 678, de 6 de novembro de 1992, bem como decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que orientam atos públicos que reconheçam a grave violação a direitos humanos, bem como a realização de cursos nesse sentido, tudo com vistas ao princípio de não repetição.

Para a procuradora da República Monique Cheker, que assina a recomendação, “o tombamento é, atualmente, o único instrumento viável, até eventual desapropriação, que conseguirá atingir o objetivo de preservação da memória dos locais importantes à história brasileira e cumprir, integralmente, o determinado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”.

Inquérito Civil nº 1.30.007.000166/2012-13

Justiça Federal recebe denúncia contra médico que participou de tortura durante a ditadura

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MPF já ingressou com 34 ações penais por crimes cometidos por agentes do regime. A participação do médico e general reformado do Exército Ricardo Agnese Fayad em sessões de tortura é conhecida desde a década de 1990, quando chegou, inclusive, a ter seu registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina

A 8ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro tornou réu, na última segunda-feira (11), o médico e general reformado do Exército Ricardo Agnese Fayad, pelo crime de lesão corporal grave, em razão das torturas praticadas contra o dissidente político Espedito de Freitas, nas dependências do Destacamento de Operações e Informações (DOI) do I Exército, em novembro de 1970.

Na decisão, a juíza federal Valéria Caldi Magalhães afirmou que os fatos não prescreveram porque configuram crime contra a humanidade. “A primeira vista a prescrição estaria consumada. Entretanto, esta conclusão não se apresenta correta. Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a prescrição não ocorreu e nenhuma alegação neste sentido ou similar pode impedir a apuração do crime de que é acusado Ricardo Agnese Fayad, dado que ele configura, em tese, um crime de lesa-humanidade”, escreveu a magistrada. A juíza afirmou ainda que “a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade é adotada como costume pelo menos desde os tempos do pós Segunda Guerra Mundial”.

A decisão judicial foi dada na ação penal movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro contra Fayad. Segundo consta da denúncia, a vítima Espedito de Freitas foi sequestrada por agentes do DOI em 10 de novembro de 1970, em local próximo à sua casa, e conduzido, encapuzado, ao Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca, onde também funcionava o DOI. Ainda de acordo com a denúncia, Espedito foi colocado em pau-de-arara, sofreu queimaduras com cigarro, além de ter sido submetido a choques elétricos. Após algumas horas de tortura, a vítima foi levada a uma cela no interior do Destacamento. Lá, apareceram um cabo-enfermeiro, conhecido por “Gil”, e um médico posteriormente identificado pela vítima como sendo o réu Ricardo Fayad. Na ocasião, Fayad determinou que o enfermeiro aplicasse uma injeção na vítima para que ela suportasse o prosseguimento das torturas. Nos dias que se sucederam, Fayad, mesmo inteiramente ciente da prática sistemática de torturas e lesões corporais como forma de repressão política e obtenção de informações, omitiu-se de seu dever ético-legal de médico, de prestar o devido atendimento aos ferimentos decorrentes da sessão de tortura contra a vítima.

A participação de Fayad em sessões de tortura é conhecida desde a década de 1990, quando chegou, inclusive, a ter seu registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina. Até o presente, o MPF já propôs 34 ações penais contra agentes do regime ditatorial envolvidos em sequestros, homicídios, ocultações de cadáveres e falsificações de laudos necroscópicos.

Veja aqui a íntegra da decisão judicial.

Saiba mais sobre a atuação do MPF em matéria de Justiça de Transição (clique aqui).