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“Ocorre que o equilíbrio nos arranjos entre os três poderes tem uma conformação frágil, notadamente ainda mais em virtude de crises institucionais que marcam o Brasil nos últimos tempos. Há alguns dias, tal contenda ganhou um sensível marco”
Marcelo Aith*
Rodrigo Fuziger**
O genial escritor francês Paul Valéry certa feita afirmou que: “O poder sem abuso perde o encanto”. Nesse sentido, é inequívoco que na esfera público os poderes investidos a indivíduos não raro geram uma trajetória perniciosa que parte da posição de autoridade para uma concretude em atos autoritários. Tal movimento deturpa o poder estatal, que tem por premissa o seu exercício numa perspectiva técnica, em desencanto – pois sem o deslumbramento típico dos excessos – nunca ensimesmado e jamais direcionado a finalidades ilegítimas a seus estritos propósitos.
Em virtude disso, todo o ordenamento jurídico está permeado por normas que visam a assegurar a contenção do comportamento dos agentes públicos, sendo certo que vasta parcela desse conteúdo está insculpido na Constituição Federal brasileira, profundamente inspirada na limitação do arbítrio estatal como uma necessidade de primeira ordem ao Estado democrático de Direito. Para tanto e inclusive, a noção de freios e contrapesos entre os poderes constitucionais é fundamental na incumbência de balancear forças e limitar abusos.
Ocorre que o equilíbrio nos arranjos entre os três poderes tem uma conformação frágil, notadamente ainda mais em virtude de crises institucionais que marcam o Brasil nos últimos tempos. Há alguns dias, tal contenda ganhou um sensível marco.
Trata-se da decisão recente do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, que determinou o levantamento do sigilo da fatídica reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril de 2020. Tal decisão continua reverberando na imprensa, meios políticos e jurídicos. Isto porque muitos correligionários do Presidente Jair Bolsonaro apontaram que ela teria ofendido o artigo 28 da Lei 13.869/2019 (o próprio Presidente publicou um tweet com a transcrição do dispositivo alguns dias após a decisão). Tal artigo dispõe, in verbis: “Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado. Pena: detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
Após alguns dias e muitas opiniões depois, é possível sintetizar – depois desse breve, contudo necessário período de maturação do debate – uma posição desapaixonada sobre o tema, nos estritos limites da dogmática penal e dos preceitos constitucionais atinentes.
Nesse sentido, a decisão do ministro Celso de Mello não perfectibiliza o delito em tela. Há pelo menos três razões indubitáveis (que seriam suficientes, per si, mas quando somadas demonstram que a tentativa de imputar o delito à conduta em questão é uma inequívoca teratologia) para tanto:
O tipo penal em comento exige que a divulgação seja exibida “expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”. É despiciendo alongar-se no seguinte argumento: tratava-se de uma reunião entre o Presidente, seu Vice e seus Ministros no desempenho de suas funções. Não há qualquer exposição da intimidade, da vida privada ou aviltamento da honra ou imagem, eis que o conteúdo divulgou falas proferidas justamente por tais indivíduos.
Não estão presentes os elementos subjetivo do injusto, previstos no §1º do artigo 1º, da Lei de Abuso de Autoridade. O referido disposto estabelece “que constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”.
Destarte, finalidade específica de para a configuração dos crimes de abuso de autoridade, são: 1) prejudicar outrem; 2) beneficiar a si mesmo; 3) beneficiar a terceiro; 4) mero capricho; 5) satisfação pessoal. Para configuração dos delitos da Lei de abuso de autoridade exige-se um dos elementos específicos do injusto, sob pena de atipicidade do delito.
O ministro Celso de Mello em sua decisão pontuou que: “ao assistir ao vídeo em questão e ao ler a transcrição integral do que se passou em referida assembleia ministerial, que não foi classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada (Lei nº 12.527/2011, arts. 23 e 24), constatei que, nela, parece haver faltado a alguns de seus protagonistas aquela essencial e imprescindível virtude definida pelos Romanos como ‘gravitas’, valor fundamental de que decorriam, na sociedade romana, segundo o ‘mos majorum’, a ‘dignitas’ e a ‘auctoritas’. Essa é uma das razões pelas quais um dos investigados, o Senhor Sérgio Fernando Moro, pretende, a partir do exame do contexto global em que se desenvolveu semelhante reunião ministerial, identificar e revelar, na busca da verdade em torno dos fatos, os reais motivos subjacentes à conduta presidencial.
Estender-se o manto do sigilo aos eventos que só a liberação total do vídeo seria capaz de revelar implicaria transgredir o direito de defesa de referido investigado, que deve ser amplo (CF, art. 5º, LV), além de sonegar aos eminentes Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, “b”), aos ilustres Senhores Deputados Federais (CF, art. 51, I) e aos protagonistas deste procedimento penal o conhecimento pleno de dados relevantes constantes da gravação em referência, vulnerando-se, frontalmente, desse modo, o dogma constitucional da transparência, instituído para conferir visibilidade plena aos atos e práticas estatais.”
Portanto, a fundamentação construída pelo Ministro afasta peremptoriamente as finalidades estampadas no artigo 1º, §1º, da Lei 13.869/2019.
3) Por outro lado, não se pode olvidar que o Art. 1º, §2º estabelece uma excludente consistente na impossibilidade de se atribuir “crime de hermenêutica”, que assim dispõe: “A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”. Trata-se de mais um argumento que afasta em absoluto qualquer vislumbre de incriminação.
Assim, a tentativa de subsunção pela simples análise da descrição típica do Art. 28 da Lei 13.869 é uma flagrante atecnia, eis que deixa de lado pressupostos e ressalvas previstas no próprio corpo do diploma.
É certo que a Lei 13.869 trouxa uma alvissareira perspectiva de contenção dos frequentes e intoleráveis abusos de agentes públicos. No entanto, a efetividade de tal diploma em tal propósito está imprescindivelmente ligada a sua correta aplicação: intransigente e enérgica quanto às condutas típicas de agentes públicos que abusam de poder e deturpam a razão de ser de suas funções (qual seja, servir à sociedade); com esmero técnico, de modo a não ser instrumentalizada de forma oportunista de modo a constranger agentes públicos que atuam com correção.
Do contrário, o potencial benéfico da lei dará lugar a um cacofônico e pernicioso fenômeno da Lei de Abuso de Autoridade como um instrumento de abuso. Esse parece ter sido o sentido da referência por alguns à lei no episódio da decisão do ministro Celso de Mello: o desiderato de intimidação e enfraquecimento do dever de atuação de um proeminente representante de um dos poderes constitucionais, visando a um desequilíbrio de forças, o que, conforme a História é pródiga em demonstrar, é terreno fértil do arbítrio e autoritarismo.
*Marcelo Aith – advogado especialista em Direito Público e Direito Penal e professor da Escola Paulista de Direito
**Rodrigo Fuziger – advogado PhD e Mestre em Direito Penal pela USP, PhD em Estado de Direito e Governança Global pela Universidade de Salamanca e professor da Pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Luiz Carlos Bresser-Pereira (pelo Facebook)
Um político autoritário e um economista neoliberal levam a prever anos muito difíceis para os brasileiros. A proposta de hoje é a capitalização da previdência básica. A ideia é permitir que gestores de fundos da iniciativa privada – bancos, seguradoras e até fundos de pensão de estatais – administrem a poupança individual de aposentadoria dos trabalhadores. Novos trabalhadores poderão optar por serem assim assegurados.
Esta é uma proposta que atrai mesmo economistas não neoliberais, mas ela está baseada na incompreensão do que seja a “aposentadoria básica” nos sistemas de previdência pública. Ela não é um seguro garantido por uma empresa privada, mas uma renda mínima variável de acordo com a contribuição a que direito toda pessoa. É um valor, limitado por um teto, que o Estado assegura a qualquer pessoa que tenha contribuído. Assim, a aposentadoria básica não fica sujeita aos azares da administração privada. A pessoa não arrisca a ficar sem nada ou a uma fração do que seria seu direito na medida em que a empresa seguradora vá á à falência ou administre mal os fundos sob sua guarda.
Desde janeiro deste ano o teto da aposentadoria básica no Brasil é R$ 5.645,80 – cerca de seis salários mínimos – para quem tenha contribuído com a alíquota máxima. O financiamento desse sistema é sempre o da “repartição”: os assalariados hoje pagam as aposentadorias daqueles que se aposentaram.
A partir desse teto abre-se o espaço para a previdência privada – esta, sim, financiada de acordo com o sistema de capitalização. Ela serve para quem quer ou precisa ter uma renda mínima superior ao teto. Neste caso, não há seguro do Estado, mas, mesmo que a empresa seguradora quebre, a pessoa terá sempre sua aposentadoria básica garantida.
As sociedades modernas e civilizadas veem a aposentadoria como um direito do cidadão e uma obrigação do Estado, como a garantia plena de uma velhice digna para as pessoas. Ela não pode, portanto, ser privatizada, porque, neste caso, deixa de ter a garantia do Estado e a pessoa poderá envelhecer na miséria.
É por isso que todos os países do mundo usam o sistema de repartição para oferecer essa garantia. A única exceção foi o Chile, mas o resultado foi desastroso porque várias empresas quebraram, deixando muita gente sem a aposentadoria básica, ou porque as empresas foram mal geridas e o que os aposentados receberam foi uma fração da aposentadoria básica.
O Provimento nº 71, publicado na última quarta-feira pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) praticamente proíbe o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e estabelece regras para manifestação nas redes sociais. A Fenajud considera o ato autoritário e abusivo, que pode “servir de base para perseguições e retaliações a servidores e lideranças sindicais que manifestarem posições contrárias aos interesses antirrepublicanos no âmbito dos tribunais de justiça brasileiros”
Veja a nota:
“A Federação Nacional dos Trabalhadores do Poder Judiciário nos Estados (Fenajud), por meio de seus 22 sindicatos filiados – que juntos representam mais de duzentos mil servidores dos Tribunais de Justiça, reunidos no seu Conselho de Representantes, desta sexta-feira (15/06), no estado do Rio de Janeiro, vem a público manifestar seu veemente repúdio ao Provimento nº 71 do Corregedor Nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha.
O documento, Provimento nº 71, publicado na quarta (13/06) por ato unilateral do Corregedor Noronha, “dispõe sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e sobre a manifestação nas redes sociais”.
Entre as justificativas para a edição do ato normativo, o órgão destacou que “a significativa quantidade de casos concretos relativos a mau uso das redes sociais por magistrados e o comportamento inadequado em manifestações públicas político-partidárias analisados pela Corregedoria Nacional de Justiça, bem como o disposto no art. 95, parágrafo único, da CF/88, que veda expressamente aos magistrados a dedicação a atividade político-partidária”.
No decorrer se seu texto, o Provimento recomenda e veda, de forma genérica, uma série de atitudes entre as quais “comprometer a imagem do Poder Judiciário” ou “exposição negativa do Poder Judiciário”. E acrescenta ao final que “as recomendações definidas neste provimento aplicam-se, no que couber, aos servidores e aos estagiários do Poder Judiciário”.
Para a Fenajud, o Provimento nº 71 é autoritário e abusivo, pois viola os direitos e garantias fundamentais de livre manifestação do pensamento e da vida privada, previstos no art. 5º, incisos IV e X, da Constituição Federal de 1988, cujo Poder Judiciário também deve obediência.
Diante disso, a Fenajud não deixará prevalecer tal ato normativo, haja vista que suas determinações genéricas poderão servir de base para perseguições e retaliações a servidores e lideranças sindicais que manifestarem posições contrárias aos interesses antirrepublicanos no âmbito dos tribunais de justiça brasileiros.
Por fim, a Fenajud e seus sindicatos filiados tomarão todas as medidas para revogar o abusivo e ilegal Provimento nº 71 do Corregedor Nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, e conclama todos os servidores e lideranças do Judiciário a formarem fileiras contra este arbitrário ato normativo.
Cala a boca já morreu!”
O que acontece, muitas vezes, é que a pessoa no cargo de liderança acaba reproduzindo as atitudes que a incomodava quando estava em uma posição inferior. Com isso, dá continuidade a um ciclo vicioso que contribui para reforçar a falta de motivação da equipe
Claudia Santos*
A relação entre o chefe e os funcionários é um dos fatores mais determinantes para o sucesso de uma empresa. Um colaborador que não sente confiança em seu líder dificilmente está satisfeito com o trabalho, o que pode afetar a sua produtividade e, consequentemente, o resultado dos negócios.
Atualmente, a falta de liderança e o autoritarismo afetam grande parte dos funcionários ao redor do mundo. Para se ter uma ideia, de acordo com a Associação de Psicologia dos Estados Unidos, 75% dos trabalhadores americanos mencionam seus chefes como a maior causa de estresse no trabalho. Outra pesquisa feita pela empresa de gestão de projetos Wrike, com 1400 profissionais, indicou que 44% dos entrevistados consideram a liderança confusa uma das principais causas do estresse.
Um fator que pode explicar essa crescente insatisfação é o modo como os chefes exercem a sua autoridade: muitos agem mais como donos do poder do que como gestores de pessoas. Poucos sabem, mas existe uma diferença entre ser chefe e ser, de fato, um líder. Um chefe comanda as pessoas, é autoritário, centraliza as tarefas e não dá abertura para que os funcionários expressem suas opiniões.
O líder, ao contrário, atua como um desenvolvedor de pessoas e busca inspirar os colaboradores, estimulando a inovação, a criatividade e o trabalho em equipe. Mais do que dar ordens, o líder tem um interesse genuíno no bem-estar dos funcionários, tratando as pessoas como seres humanos integrais. É o que chamamos de gestão humanizada.
O que acontece, muitas vezes, é que a pessoa no cargo de liderança acaba reproduzindo as atitudes que a incomodava quando estava em uma posição inferior. Com isso, dá continuidade a um ciclo vicioso que contribui para reforçar a falta de motivação da equipe.
Em uma empresa do século XXI, os chefes precisam entender que a liderança humanizada é fundamental não apenas para atingir resultados, mas para garantir a saúde mental de seus funcionários. Um verdadeiro líder deve alinhar o discurso de gestão de pessoas com a prática, se colocando no lugar do outro e entendendo que seus funcionários são, acima de tudo, seres humanos.
Quando o colaborador sente confiança em seu líder e sabe que pode expressar suas opiniões com liberdade, valoriza mais o seu trabalho e se sente motivado para alcançar melhores resultados.
*Claudia Regina Araujo dos Santos é especialista em gestão estratégica de pessoas, palestrante, coach executiva e diretora da Emovere You.