Em meio à alta temperatura que pode resultar em ruptura constitucional, o país se ressente com a falta de lideranças que funcionem como conciliadoras
O Brasil vive o extremo da polarização. Se tornou difícil encontrar um consenso ou um pacto duradouro entre os poderes ou em meio à sociedade. Unir o Brasil em torno de um projeto de desenvolvimento é o grande desafio. A maioria dos analistas ou vê saídas estreitas ou sequer enxerga a luz no fim do túnel. Para Antônio Augusto Queiroz, sócio-diretor da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas, certamente, a solução não virá das instituições vigentes.
“Dentro delas, não existe ninguém com perfil e credibilidade para definir as diretrizes de um pacto que reúna forças para pacificar o pais. Essa pessoa terá que vir de fora. Entre os nomes em condições de cumprir esse papel, creio que estão o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-ministro da Defesa, da Justiça e do STF, Nelson Jobim. São suprapartidários e capazes de convocar a academia, empresários, instituições, mercado, partidos e sociedade civil”, aponta. A situação, segundo Queiroz, é complicada.
No momento, os únicos mediadores dispostos a fazer um esforço são o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), ambos em fim de mandato (setembro e dezembro, respectivamente). “Com a saída deles, não vislumbro quem possa barrar as investidas do presidente da República, as práticas clientelistas e eleitoreiras e a desqualificação de adversários”, afirma. Os dois citados como principais (FHC e Jobim), no entanto, já passam dos 80 anos de vida e podem não ter a intenção de assumir tamanho fardo, admite Queiroz. Nesse caso, as alternativas são jovens políticos.
Novas lideranças
Entre eles, desponta o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que Queiroz define como “equilibrado e qualificado”. ACM Neto (Democratas), prefeito de Salvador (BA), “também representa a nova geração”. Outros “ótimos”, diz, são o governador do Maranhão, Flávio Dino, e o governador da Bahia, Rui Costa. “Sendo um do PCdoB e outro do PT, na atual conjuntura, não sei se seria possível”. Destaca, Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, sem partido. Seja como for, de alguma forma, no período pós-pandemia, o Brasil terá que se ajustar.
“Vai haver um salto de qualidade, porque a tecnologia avançou e elevou a produtividade. Com isso, o desemprego aumentará e o consumo continuará despencando. Vai ter forte mudança de valores, já que os países desenvolvidos vão se preparar para ter produtos e serviços que necessitaram e não tinham à mão. E se o Brasil não tiver à altura, será o caos”, alerta. Para Queiroz, se Bolsonaro continuar à frente do país, terá que respeitar os demais poderes.
Se o vice Hamilton Mourão assumir, o seu compromisso deverá ser não se candidatar à reeleição, manter a democracia, as regras de mercado, não mexer no fundo eleitoral e nas emendas impositivas. “Somente assim, Mourão aliviaria as tensões e não afetarria os investidores domésticos e internacionais que precisam de confiança e segurança jurídica para colocar dinheiro no Brasil”, desafia Queiroz.
Sem rumo
O cientista político Jorge Mizael, diretor da Metapolítica Consultoria e Assessoria Parlamentar, diz que não vê a possibilidade de construção de consensos com os atuais representantes. “Boa parte dos antigos conciliadores da República foram forçadamente aposentados pelas urnas na última eleição”, assinala. “É difícil projetar o futuro no meio da turbulência que vivemos. As bases que dariam sustentação também estão vulneráveis. Mesmo sem estar muito conectado com a ideia cristã, o curto prazo pode ser resumido pela seguinte frase: ‘E os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes’. Mateus 8:12”, salienta.
A polarização no Brasil se intensificou a cada nova eleição geral. Em especial após a de 2014, por insatisfações populares até então reprimidas na sociedade. “E depois das intensas mobilizações de rua de junho de 2013. Daquele momento em diante, o apelo foi grande para renovação das estruturas políticas”, diz Mizael. “Partidos perderam credibilidade e políticos perderam representação. Assim, se por um lado os partidos continuaram com as suas estruturas quase imperiais de tomada de decisão e ascensão interna, a população foi dando cada vez mais espaço, por meio do voto, às personalidades mais radicais e populares”, lembra.
Com esses fatores, surgiram, diz Mizael, a imaginária “nova política”, a demonização das estruturas institucionais e movimentos políticos apartidários (MBL, Vem pra Rua e outros). Como resultado, na última eleição (2018), houve alta renovação dos quadros político e movimentos polarizados ocuparam assentos no Legislativo e no Executivo. “Em resumo, essa virada de mesa mudou o perfil dos representantes”, afirma Jorge Mizel.
“Entraram perfis marcados pelo embate: Kim Kataguiri, Alexandre Frota, Joice Halssemann, Carla Zambelli, Bia Kicis, Soraya Thronicke, Wilson Witzel, Caroline de Toni, Flávio Bolsonaro e outros. E saíram perfis conhecidos pela moderação Antonio Imbassahy, Leonardo Picciani, Ronaldo Nogueira, Osmar Serraglio, Jovair Arantes, Nelson Marquezelli, Ronaldo Lessa, Antônio Carlos Valadares, Romero Jucá e outros”, afirma Mizael. Marcelo Aith, especialista em direito criminal e público e professor da Escola Paulista de Direito, aponta como única saída a convocação do Conselho de República, para atuar de acordo com a Constituição da República, e, com membros reunidos, “achar um caminho para a paz institucional”
“Em um país em que o presidente da República afirma que irá descumprir ordem da mais alta Corte e o filho, deputado federal, diz que a ruptura institucional é questão de tempo, sinceramente não vejo luz no fim do túnel”, reforça Aith. Enquanto isso, o país bate sucessivos recordes de contaminações e mortes pelo coronavírus. Situações inusitados ocorreram, como a determinação do presidente para que o ministro da Justiça impetre habeas corpus (HC) em favor de outro ministro. “Fato inédito na República”, ironiza Aith. Para ele, nem Rodrigo Maia e nem Davi Alcolumbre (presidente do Senado), “têm capacidade de esfriar essa fervura”.
Sem futuro
Aith analisa que o país caminha a passos largos para uma gravíssima crise institucional. “A única pessoa capaz de recompor isso é o próprio Jair Bolsonaro, se deixar de criar crises. No entanto, isso não vai acontecer porque o perfil desse senhor é de causar confusão e insultar pessoas. Não podemos esquecer do passado dele. Enalteceu o maior torturador do regime militar que foi o Ustra (Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército, ex-chefe do Doi-Codi)”.
O jurista Rodrigo Fuziger opina que, em meio a um panorama que há tempos evidencia crises políticas e econômicas o discurso moderado – de centro, centro esquerda ou centro direita) carrega um sentido de manutenção ou repetição de um estado de coisas que traz insatisfação. “No entanto, a nova política foi habilmente cooptada por setores de extrema direita que, para além do discurso, não concretizaram tais mudanças, representando o ‘novo que fede a naftalina’”, lembra. Mas o novo, verdadeiramente, talvez não chegue tão cedo.
Marcio Coimbra, cientista político e especialista em campanhas eleitorais, defende a tese de que o Brasil está em um extremo hoje, devido à troca de ciclo político, que geralmente causa abalos no sistema – o que no país acontece a cada 30 anos. “Isso aconteceu em 1930, quando Getúlio Vargas chegou ao poder. Com Jánio Quadros, em 1960. E com Collor de Mello, em 1990”, lembra Coimbra. E está acontecendo de novo. “Agora está aí Jair Bolsonaro. Significa que nós temos problemas de fricção institucional cada vez que o povo decide por uma grande ruptura política nas urnas”, relata. Nesse sentido, o que vai acontecer daqui para frente, somente a acomodação do sistema é capaz de revelar. Nos próximos 30 anos, diz Coimbra.