suprema2 David Lee/NETFLIX

A despedida em grande estilo de Chadwick Boseman em A voz suprema do blues

Publicado em Filmes

À frente do elenco de A voz suprema do blues, Viola Davis e Chadwick Boseman se credenciam a entrar na briga pelo Oscar de 2021

Na primeira cena de A voz suprema do blues, filme da Netflix, o trompetista Levee chama os holofotes para si e tenta aparecer mais do que a cantora Ma Rainey durante um show de blues na Georgia de 1927. Conhecida como mãe do blues, Ma não gosta do que vê e atrai os holofotes de volta para ela. A briga de egos entre os dois serve de pano de fundo para o longa dirigido por George C. Wolfe e adaptado da peça de teatro escrita por August Wilson.

A sequência deixa clara a atmosfera musical que acompanhará todo o longa e, mais ainda, nos dá uma palhinha da grandiosidade das interpretações de Viola Davis e Chadwick Boseman para os protagonistas Ma e Levee. Curioso como os personagens têm influência um sobre o outro mesmo que se encontrem poucas vezes em cena.

A maior parte de A voz suprema do blues se passa num estúdio de Chicago onde a banda e Ma vão gravar um disco. O atraso e os caprichos da diva fazem com que Levee e os outros músicos fiquem trancados numa sala de ensaio sem ventilação ou comunicação com o mundo externo, a não ser que alguém abra a porta pelo lado de fora.

O ambiente hostil e a certeza de que está sendo subestimado por Ma e pelos colegas inflamam o jovem Levee, que, em excelentes monólogos, vai expondo feridas que são dele, mas que também são de toda a sociedade americana daquela época e de hoje. Chadwick Boseman, em seu último trabalho antes de morrer vítima de um câncer em agosto de 2020, aproveita cada palavra que lhe é dada e se credencia para indicações póstumas aos maiores prêmios do ano, com boas chances de vitória.

David Lee/NETFLIX

Viola Davis não fica atrás de Chadwick Boseman. Uma das mais versáteis atrizes da geração dela, Viola ganhou o Oscar em 2017 por Um limite entre nós, além de ter sido indicada prlod trabalhos em Histórias cruzadas (2012) e Dúvida (2009). Com a Ma de A voz suprema do blues, ela tem a oportunidade de viver uma mulher que transborda segurança, mas faz isso de fora para dentro, pois o que há ali é a insegurança. Ela chega a dizer que os negros fazem sucesso no blues porque os brancos ainda não entenderam que é preciso sentir para cantar aquela música. Não por talento.

Assim como acontece com Levee, o ensaio é apenas pano de fundo para que Ma lance discussões sobre a necessidade de reafirmar-se que o negro americano tinha que ter para sobreviver na década de 1920. Em Ma isso vinha na agressividade e na necessidade de mostrar aos brancos que havia negros no poder ー pelo menos à frente do microfone. Explosiva, a Ma retratada no filme teve poucos momentos de doçura, expressos com competência pelo olhar e pela voz de Viola Davis.

Vale a pena ficar de olho também em Coman Domingo, intérprete de Cutler, único integrante da banda a enfrentar Levee; e em Taylor Paige, a ambiciosa namorada de Ma, Dussie, em quem Levee demonstra interesse. São papéis menores que ganham por conta do trabalho dos atores.

Vida real ganha as telas em A voz suprema do blues

David Lee / Netflix

Embora A voz suprema do blues traga uma história real ー Ma Rainey foi realmente uma pioneira e uma das estrelas do blues americano daquela época e é até hoje considerada a mãe desse gênero musical ー , vale ressaltar que não estamos diante de uma biografia da cantora. O que o esperto roteiro de Ruben Santiago-Hudson nos traz é o recorte de um dia de gravação um tanto tumultuado e que tem consequências graves tanto para o futuro de Ma como, especialmente, para o de Levee.

O tom teatral trazido da peça de August Wilson (o mesmo de Um limite entre nós) está presente na atmosfera de A voz suprema do blues, mas com uma intensidade menor do que no filme anterior, o que soa como uma saída mais palatável às telas.

Com vários lançamentos cinematográficos adiados ou migrados para o streaming, o Oscar deste ano deve consagrar Netflix, HBO e suas coirmãs, repetindo o sucesso de Roma e História de um casamento, por exemplo. Tendo em vista o quanto a academia gosta de filmes que venham da vida real e que tragam o espectro do mundo das artes em si, A voz suprema do blues dá um passo à frente para estar entre os indicados, cuja divulgação está prevista para 5 de março.