Uma transmissão ao vivo do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, na última quinta-feira (5), gerou polêmica. O presidente sugeriu ser a favor do trabalho infantil. De acordo com o político, o “trabalho dignifica o homem, a mulher, não interessa a idade”. Bolsonaro afirmou ainda que não foi prejudicado em nada por ter trabalhado aos 9 ou 10 anos de idade. As declarações geraram repúdio por parte de entidades e especialistas da área do trabalho.
Em nota, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade representativa de cerca de 4 mil juízes do Trabalho, afirmou que o presidente da República insiste em “condenar a infância e a adolescência brasileiras ao surrado argumento do ‘ou trabalha, ou vai roubar’. Demonstra, assim, desconhecer por completo a realidade de mais de 2 milhões de crianças massacradas pelo trabalho em condições superiores às suas forças físicas e mentais, dos mais de 200 óbitos e dos mais de 40 mil crianças e jovens que sofreram mutilações e deformações decorrentes de acidentes de trabalho entre 2007 e 2017”.
A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), uma articulação apartidária composta por mais de 200 instituições que atuam na promoção e garantia dos direitos da primeira infância, também se manifestou contra as declarações do chefe do Executivo federal. “É lamentável que o presidente faça apologia a uma prática que traz graves consequências à saúde, à educação, ao lazer, ao presente, e ao futuro das crianças e adolescentes. E, por isso, a Rede reforça seu desagravo à declaração do presidente”, diz trecho da nota.
Em seu artigo “trabalho infantil doméstico subsiste no Brasil”, o advogado Cássio Faeddo afirma que “a proibição do trabalho precoce não é só de interesse social. Na batalha do emprego, inovação tecnológica e automação, em breve não haverá mais vagas para trabalhos sem qualificação”. De acordo com o advogado, “se o Brasil desejar despontar com força para criação de patentes, desenvolvimento de tecnologia e operação dos equipamentos gerados por essas tecnologias, deverá investir na formação e educação das crianças e jovens”.
Brasil no ranking mundial de proteção à infância
O Brasil ocupa a 99ª posição em ranking mundial de proteção à infância, de acordo com um estudo elaborado pela organização não governamental Save the Children. Estamos está atrás de países como Cuba, Chile, Argentina, Costa Rica, Uruguai, Peru, México, Equador, Coreia do Norte e Palestina. Ao todo, 176 países participam do ranking. Do ano passado para cá, o Brasil caiu de posição: em 2018, ele ocupava o 93º lugar na lista. No ranking de nações que mais melhoraram e prosperaram, ficou no 157º lugar. O país se enquadra atualmente no grupo de nações classificadas pela ONG como aqueles onde “algumas crianças estão perdendo sua infância”.
Confira nota da ANAMATRA na íntegra:
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, entidade representativa de cerca de 4 mil juízes do Trabalho em todo o Brasil, vem a público repudiar as declarações do Sr. Presidente da República, proferidas nesta quinta-feira, 4 de julho, em defesa do trabalho infantil.
Insiste o Presidente da República em condenar a infância e a adolescência brasileiras ao surrado argumento do “ou trabalha, ou vai roubar”. Demonstra, assim, desconhecer por completo a realidade de mais de dois milhões de crianças massacradas pelo trabalho em condições superiores às suas forças físicas e mentais, dos mais de duzentos óbitos e dos mais de 40 mil crianças e jovens que sofreram mutilações e deformações decorrentes de acidentes de trabalho entre 2007 e 2017. Isso sem mencionar os traumas psicológicos advindos do amadurecimento precoce, do enfraquecimento dos laços familiares e do prejuízo ao desenvolvimento da escolaridade, e, consequentemente, das oportunidades.
O que os cidadãos brasileiros aguardam é que o Governo Federal desenvolva políticas públicas de reinserção de 45 milhões de adultos desempregados e subutilizados ao mercado de trabalho. Políticas essas que façam convergir os compromissos do País às Convenções Internacionais 138 e 182 da OIT, das quais o Brasil é signatário, bem como ao caput e o § 3º do art. 227 da Constituição Federal, que atribuem ao Estado brasileiro, que chefia, o dever incontornável de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, e a oferecer proteção especial diante de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com especial proteção às garantias trabalhistas e previdenciárias.
Criança é para estudar e brincar.
Confira a nota da RNPI na íntegra:
A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) vem, por meia desta nota, manifestar total desagravo com a declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, em defesa do trabalho infantil. Em transmissão ao vivo em sua página no Facebook, nesta quinta-feira, Bolsonaro defendeu o trabalho infantil e deu o próprio exemplo para falar que “não foi prejudicado em nada” por ter trabalhado aos nove anos colhendo milho em uma fazenda.
A fala do presidente contraria o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que assegura a proteção integral de crianças e adolescentes com prioridade absoluta, assim como a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho que determina a proibição e ação imediata para eliminação das piores formas de trabalho infantil.
Apesar do Brasil ser signatário das Convenções Internacionais do Trabalho adotadas no âmbito das Nações Unidas, atualmente 2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalham no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (IBGE). Número que mostra claramente a dificuldade do país para contribuir com a meta de eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2025 como prevê os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
É lamentável que o presidente faça apologia a uma prática que traz graves consequências à saúde, à educação, ao lazer, ao presente, e ao futuro das crianças e adolescentes. E, por isso, a Rede reforça seu desagravo à declaração do presidente.
A RNPI é uma articulação apartidária composta por mais de 200 instituições, entre organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de outras redes e de organizações multilaterais que atuam, direta ou indiretamente, na promoção e garantia dos direitos da Primeira Infância – sem discriminação étnico-racial, de gênero, regional, religiosa, ideológica, partidária, econômica, de orientação sexual ou de qualquer outra natureza.
Confira artigo de Cassio Faeddo, advogado, mestre em direitos fundamentais, com MBA em relações internacionais:
“Trabalho infantil domestico subsiste no Brasil
Art. 7º, XXXIII: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz”. (aprendiz é o jovem de 14 a 18 anos – art. 428 da CLT)
Em uma recente intervenção do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, foi trazido à baila novamente o tema do trabalho infantil. O presidente relatou ter trabalhado “duro” em uma fazenda aos dez anos de idade e que isto nenhum mal lhe causou.
A Constituição Brasileira, em harmonia com as Convenções da Organização do Trabalho 138 (idade mínima para o trabalho) e 182 (piores formas de trabalho infantil), proíbe o trabalho de crianças e adolescentes até 16 anos, salvo na condição de aprendiz, permitindo-se nesse caso, o trabalho a partir dos 14 anos.
Art. 7º, XXXIII: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz”. (aprendiz é o jovem de 14 a 14 anos – art. 428 da CLT).
Segundo dados de 2019 da OIT, Organização Mundial do Trabalho, há no mundo 152 milhões de jovens entre 5 e 17 anos executando trabalho, das quais 73 milhões executam trabalhos perigosos. 108 milhões estão na agricultura com 75 milhões delas não remuneradas trabalhando na própria família.
Conforme números do IBGE de 2016, crianças e jovens entre 5 a 13 anos de idade, 26,0% recebiam remuneração. Com o aumento da idade, entre 14 a 17 anos 78,2% recebem alguma remuneração.
Neste ambiente é de se ressaltar a persistência do trabalho doméstico, não aquele de simples cuidados com os próprios objetos ou para secar louça, ajudando os familiares, mas verdadeiro trabalho de empregado doméstico.
A Convenção 182 da OIT, que completa 20 anos em 2019, e foi ratificada pelo Brasil, trata das Piores Formas do Trabalho Infantil, e incluiu o trabalho doméstico em rol de atividades impróprias. Infelizmente a prática ainda subsiste no país, e a declaração do presidente deu a entender que o trabalho desenvolvido em sua infância ocorreu não só em ambiente familiar como também na agricultura.
Como exemplo da prática, em recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho, foi reconhecido vínculo de emprego entre uma jovem e seus “cuidadores”.
A notícia, extraída do site do próprio Tribunal, traz o relato “do caso de uma adolescente de 12 anos que foi levada da casa dos pais, em Araçuaí, no norte de Minas Gerais, para ser babá na cidade de Salgueiro, em Pernambuco (…). A história da adolescente teve início em 2011. Ela foi contratada por um casal do município de Salgueiro para ser cuidadora das duas filhas. Na época, uma estava com sete anos e a outra com um ano de idade. A adolescente morou na casa da família pelo período de dois anos, exercendo a função de babá das duas menores, principalmente no período da tarde, já que de manhã frequentava escola pública”.
Neste caso, a adolescente residia na casa dos empregadores, estudava em escola pública, enquanto as crianças que cuidava em escola particular.
O trabalho ocorria em troca de residência e alimentação, como demonstra o relato.
Mas não é só. No Brasil, ainda existe a servidão infantil, comumente denominada adoção à brasileira. A prática consiste na adoção de crianças nascidas em famílias pobres ou que não desejam criar um filho e entregá-las para a adoção. Ocorre que a adoção, na verdade, esconde a servidão infantil, servindo a criança para cuidar dos afazeres domésticos.
Nesse caso, a Justiça do Trabalho apenas poderá atuar para reconhecer o vínculo de emprego, ainda que o trabalho seja proibido, determinando o pagamento de verbas trabalhistas e previdenciárias. A investigação da prática criminosa caberá ao Ministério Público Estadual e Polícia Judiciária.
Investigar o trabalho infantil doméstico é muito difícil, pois este ocorre no ambiente do lar, é tido como problema do vizinho e culturalmente aceito como forma de educar a criança. Por tudo isso ainda levará tempo para ser erradicado do país.
A proibição do trabalho precoce não é só de interesse social. Na batalha do emprego, inovação tecnológica e automação, em breve não haverá mais vagas para trabalhos sem qualificação. Por isso, se o Brasil desejar despontar com força para criação de patentes, desenvolvimento de tecnologia e operação dos equipamentos gerados por essas tecnologias, deverá investir na formação e educação das crianças e jovens.”
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