Tudo na vida tem hora e lugar, diz o pessoal que tem bom senso. Mas o que dizer do quentão? É talvez a mais absurda invenção depois que o pessoal começou a misturar bebida, fazendo essas coisas perigosas, coquetéis que vêm em cores bonitinhas, com espetos e guarda-chuvinhas nos copos baccarat.
Os gregos começaram essa orgia ao misturar vinho com mel, mas o negócio tomou corpo em 1860, quando foi publicado o primeiro livro de receitas – todas com pelo menos um tipo de licor na mistura. E o mundo inteiro passou a criar seus drinques.
O Brasil não ficou para trás e começou a produzir suas próprias variações; certamente a mais conhecida é a caipirinha, mas também temos batidinhas e o inefável leite-de-onça, que mistura pinga, coco e leite condensado para produzir a mais monumental dor de cabeça que o ser humano é capaz de suportar.
Mas nada se compara ao quentão. Tem algo errado numa bebida que precisa ser aquecida para ser ingerida e não é chá. Para fazer quentão o cidadão mistura cachaça, limão, gengibre, mel, cravinho da índia, canela e açúcar e bota para ferver. E há quem beba!
Aliás, há um comparativo: o vinho quente. É praticamente uma salada de frutas (com abacaxi, uva, laranja e maçã) misturada com canela e cravinhos da índia e colocada num vinho – o mais vagabundo que se encontra no supermercado – que é fervido.
Em comum, as duas beberagens são servidas nas festas juninas e é praticamente uma ofensa não aceitar, até porque invariavelmente vêm acompanhada da frase: “Faz bem à saúde”. E este tem sido um dos motivos de ninguém me encontrar numa festa junina há anos; outro dia fui parar numa delas, mas com a garantia de que não teria quentão.
Mas há sempre um amanhã, como cantava Tito Madi. E naquela noite o Faixa chegou ao bar carregando uma garrafa térmica. Ele não é gaúcho e nem tem cuia de chimarrão, café requentado tem no boteco e não chegamos ainda na fase de tomar leitinho quente com bolacha. Mas não houve mistério.
Logo anunciou que tinha passado numa festinha e comprou o quentão para nos oferecer. Para piorar a situação trouxe um pacote com quitutes juninos: minipamonhas, broa e forminhas de curau. Só melhorou a situação quando ele disse que queria trazer também porções de mungunzá, que o sulista chama de canjica e o maranhense de chá de burro, mas não deu.
Quem aprecia uma bebidinha não se dá muito bem com essas especialidades que vêm do milho. A mistura é terrível. Mesmo sabendo que o suco gástrico é capaz de derreter metais e rochas como o mármore, o encontro deles no estômago nunca é pacífico.
Os copos que estavam na mesa continham uísque, conhaque e até pinga; bebidas nobres, respeitáveis. Do lado, ainda havia restos de pele de frango frita. Houve um entreolhar coletivo que trazia um veredito unânime: ninguém ia chegar perto daquele quentão. Inconformado com a reação, o Faixa apelou: “Pessoal, faz bem à saúde”.
Publicado no Correio Braziliense, em 28 de junho de 2019
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