Tempo de fogueira

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Moraes Moreira lançou um xote para as festas juninas deste ano. Foi meio em cima da hora, não deu tempo de pegar e, convenhamos, Só Pensa Naquilo – o xote – sequer faz referência aos festejos. Nem o santo homenageado, e que faz chover, faz parte da festa; São José é de março. Mas não interessa, é um resgate importante.

As festas juninas brasileiras, que começaram com música e passos franceses da quadrille, hoje são uma expressão da nossa identidade como povo – ainda que o animador continue gritando seus anariês, nepadequás e alavantus.

Na vestimenta só mudou a calça, antes remendada com panos coloridos – como o pessoal anda usando calça furada e puída até em festa chique, perdeu o sentido –, mas o chapéu de palha desfiada e a camisa quadriculada continuam firmes. Assim como os quitutes.

As músicas também são as mesmas. Em seus primeiros anos as festas eram embaladas por canções regionais, quase sempre de cunho religioso, até que o jornal A Noite, do Rio de Janeiro, em 1933, decidiu promover o primeiro concurso de marchinhas juninas, como era feito no carnaval.

O valor do prêmio era polpudo – dois contos de reis – e atraiu os melhores compositores da época. Apesar do incentivo argentário, os concursos criaram a trilha sonora que perdura.

No primeiro ano do concurso surgiram os dois primeiros clássicos, ambos derrotados pelo júri, mas consagrados pelo povo. Assis Valente reservou Cai, Cai, Balão para sua musa Carmen Miranda, mas chegou atrasado. Ela já tinha prometido a Lamartine Babo gravar Chegou a Hora da Fogueira, o que efetivamente fez, em dueto com Mário Reis.

Cai, Cai, Balão ficou com a irmã de Carmen, Aurora Miranda em sua estreia, cantando com Francisco Alves e desde então não deixou de ser tocada. A música ficou em quarto lugar, mas foi adotada pelo público; Lamartine ficou em quinto. Das três primeiro colocadas a única que sobreviveu foi Garimpeiro do Rio das Garças, uma rumba (sim, rumba!) de João de Barro, gravada por Francisco Alves, nunca ouvida em festa junina.

O importante é que se abriu um novo filão e uma sequência de clássicos. Em 1934, Carmen Miranda voltaria com Isso é Lá com Santo Antônio; em 1936, Francisco Alves faria enorme sucesso com Pula a Fogueira; em 1939, o Trio de Ouro gravaria Noite de Junho e Dalva de Oliveira, sozinha, gravou Pedro, Antônio e João.

Mais tarde, em 1949, Dircinha Batista gravaria a polca O Sanfoneiro Só Tocava Isso, sucesso também de Tonico e Tinoco e recentemente gravada por Suricato, até que chegou o rei da festa, Luiz Gonzaga, certamente o artista mais dedicado aos festejos juninos e que formatou os grupos musicais tradicionais, com sanfona, triângulo e zabumba.

Gonzaga redefiniu as festas juninas, que deixaram de ser manifestação rural para virar domínio nordestino. Olha pro Céu, de 1951, foi a primeira, seguida de São João na Roça, O Maior Tocador, Piriri e outras que foram sendo adaptadas. De lá para cá, mais nada – Festa do Interior, de Moraes Moreira, é frevo. E lugar de frevo é no carnaval.

Publicado no Correio Braziliense, em 30 de junho de 2019

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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