Quem vigia?

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Quis custodiet ipsos custodes?, perguntou o poeta Décimo Juvenal nos primeiros anos da Roma antiga em suas Sátiras, frase que atravessou os séculos, depois de popularizada por Platão, combatendo déspotas e tiranos. A pergunta tem mais de dois mil anos e a gente ainda não sabe quem é que, afinal, vigia os vigilantes.

O escritor britânico Alan Moore recuperou o conceito para criar uma das histórias em quadrinhos mais influentes entre todas, Watchmen, que já foi transformada num filme pretensioso e que deu um prejuízo danado aos produtores. Agora o ambiente criado por Moore – e pelo desenhista Dave Gibbons – está sendo exibido na TV, pela HBO.

Baseada na pergunta original, a história é muito bem construída e escrutina uma questão filosófica: a responsabilização do poder. Mas ninguém tem a resposta. Diante dos poderes supremos que toda sociedade tem – vejam o Brasil –, os meios de controle sempre esbarram em problemas éticos; onde há um ser humano, existe a possibilidade de mutreta.

Tivemos um caso recente do juiz que vendeu habeas corpus por aplicativo de mensagens de telefone. A punição é exemplar: foi aposentado compulsoriamente, com salário integral, desmentindo o velho ditado e mostrando que, sim, de vez em quando o crime pode compensar. E nem é um caso tão raro: 57 julgamentos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2008 puniram magistrados. Todos com salários intocados.

E muito se falou recentemente sobre o AI-5, o ato institucional que deu poder quase absoluto aos presidentes, durante o regime militar – e que desperta saudades de alguns. Na época, uma voz solitária se levantou, a do jurista e então vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo: “O problema de uma Lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina”.

O guardas de esquina se multiplicam. Viram censores, vigias ou fiscais – e saem distribuindo sua visão de mundo, muitas vezes torta na origem, outras vezes modificadas pelo humor da hora; oprimindo, só porque têm o poder de oprimir.

É o que está acontecendo com os responsáveis pela fiscalização dos decibéis no Distrito Federal. Há um evidente prazer nos laudos que impedem músicos de trabalhar nos bares da cidade, respondendo pedidos de moradores que se incomodam com música, mesmo sabendo que o barulho que vem do trânsito na rua é muitas vezes maior.

Semana passada um bar da cidade foi impedido de oferecer música ao vivo aos frequentadores porque excedeu o volume permitido em imensos dois decibéis – isso mesmo, dois. É menos que o barulho de um espirro bem dado. Ou seja, era só diminuir o volume um pouquinho e ninguém notaria, só o decibelímetro. Mas o fiscal achou mais fácil acabar a festa.

É mais uma derrota da sociedade, causada pelo capricho de um solitário incomodado que, aliás, mora em local em que não há previsão de moradia – mas que consegue driblar o fiscal que cuida ou deveria cuidar da área urbana. Voltando dois mil anos atrás, a gente continua sem saber quem fiscaliza o fiscal.

Publicado no Correio Braziliense, em 17 de novembro de 2019

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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