Poesia e poetas

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Não é raro ver um sujeito escrevendo num guardanapo, enquanto sorve uma cervejinha, um conhaque, um daiquiri… São os poetas de bar, movidos a álcool, inspirados pela musa que mora no fundo das garrafas. Ou não. Há também a poesia sóbria.
Advogado de profissão, ele tem chegado para a etílica reunião meia hora mais cedo. É o tempo que tem para jogar ideias e inspiração nos papéis retirados do porta-guardanapos, impróprios para escrever porque são lustrosos, muito lisos e finos. Não seria este pequeno incômodo a perturbar a chama da criação.
Até então não havia mostrado as poesias para ninguém, até porque diz estar retomando uma atividade interrompida quando terminou o curso de direito e começou no batente. Procede: criminalista não encontra beleza em muito lugar; e ninguém mais quer saber daqueles versos brutos, sujos e épicos – ele não é grego, nem Ferreira Gullar.
Mas o lirismo do nosso amigo tem sofrido com o cinismo alheio. Os companheiros são desbocados, bukowskis de segunda categoria, embora alguns citem com admiração versos do poeta teuto-americano, como o Faixa: “O que mais importa é/ quão bem você/ caminha pelo/ fogo”.
E o amigo sofre com as gaiatices. Há quem, logo na chegada, recite “batatinha quando nasce” só para tentar interromper o fluxo de inspiração do nosso incipente poeta. Outros apelam para os clássicos de botequim:

Eu bebo,
Não é por vício, nem por nada
É que olho no fundo do copo
E vejo o rosto da mulher amada
E eu não quero que ela morra afogada!

Mas um poeta não se abala; recolhe a pena, amarfanha os guardanapos no bolso do paletó, abre o sorriso e pede a primeira dose. Tenta puxar um assunto, mas não consegue se desvencilhar do bulimento; sofre mais que vascaíno. Não há trégua; para os companheiros, o negócio é rimar:

Para curar a amargura, beba pinga sem mistura
Contra dor-de-cotovelo, só cachaça sem gelo
Para ter um carinho, é pinga, cerveja e vinho
Quem ama e não recebe, mistura todas e bebe

Ele vinha suportando a galhofa estoicamente; ria amarelo, mas maldizia o dia em que algum fofoqueiro – provavelmente o dono ou o garçom da tasca – o viu escrevendo. Mas na semana passada cansou e resolveu tirar os versos do anonimato, com a promessa de ganhar uma dose de cada um dos camaradas à mesa. Levantou-se e pôs-se a declamar:

Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha de flandres,
Folha de taioba, pouco importa: tudo serve.
Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
Queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
É que faço meu verso. E meu verso me agrada.

A turma ficou de boca aberta, sem saber o que dizer. Não é que o poeta era bom?, que maravilha!, surpreendente. Nosso poeta passou o resto da noite em paz, admirado até. Só no dia seguinte é que ele revelou que na verdade o poema é de Drummond.

Publicado no Correio Braziliense em 13 de outubro de 2019

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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