Ninguém sabe quando os grunhidos dos hominídeos se transformaram em palavras,
mas seguramente foi um processo curioso a formação dos vocábulos, a nominação de tudo
que nos cerca, a transformação desse conjunto em idiomas e a expansão da capacidade verbal do homem feito, o homo sapiens.
Calcula-se que nas línguas cultas como o português são usadas cerca de três mil
palavras na comunicação cotidiana; uma fração dos 400 mil verbetes dicionarizados pelo
Houaiss de 2001 ou das cerca de 600 mil, se computados os termos técnicos e científicos.
Uma pessoa comum fala em torno de 200 palavras por minuto, o que dá três por
segundo. Em português, o substantivo mais usado é coisa. Pudera: serve para qualquer coisa (êpa!). O adjetivo mais usado é bom, seguido de grande. Ou seja, palavras otimistas.
Mas o verbo mais usado é ser. Bem egoísta.
O brasileiro tem mais do que o dobro de palavras para usar do que o italiano – mas a
gente precisa lembrar que o pessoal da bota também fala com as mãos. Só que nós perdemos feio para os coreanos, que têm mais de 1.100 vocábulos para definir as coisas.
Curioso é que o idioma criado para substituir todos os outros, o esperanto, se resolva
com apenas 16.780 palavras.
Com essa profusão de termos que foram sendo criados e definidos por milênios, fica
difícil entender porque reduzimos tanto a nossa capacidade de comunicação. Já faz alguns
anos que vivemos o fenômeno da câmera de eco, que é aquela sensação de que todo mundo
está falando a mesma coisa porque, ao contrário do que possa parecer, a disseminação de
canais de informação e desinformação tem conduzido todos ao mesmo brejo.
É uma inundação de dizeres (nem sempre são fatos) que conduzem o fio das certezas
monolíticas e bloqueiam a criatividade. É por isso que a inteligência artificial tem se destacado tanto no noticiário: na média, ela está ganhando da inteligência dos seres humanos.
E vivemos uma era de apartamento (ou apartheid, vá lá, o termo em inglês é mais
preciso) do bate-papo que avança até no democrático boteco, ambiente em que, antigamente, tudo se discutia. Até gosto e religião, desmentindo o velho adágio.
Benjamin é sujeito vivido. Aposentado há muitos anos, tem uma vida confortável,
ótimo nível educacional e cultural, mas hoje sofre de uma síndrome: acredita em tudo o que lê na internet. Não difere um site do outro, mas se informa principalmente pelo aplicativo de mensagens instantâneas, em notas curtas repassadas pelas mesmas pessoas.
Desenvolveu também uma autossuficiência de informação que não admite correção,
discordando abertamente de fatos históricos ou científicos, embora ainda acredite que a Terra é redonda e que as vacinas são eficientes. Mas outro dia ele chegou ao bar com uma novidade na ponta da língua: o governo mandaria cunhar uma moeda ou emitir nota (a notícia carecia de exatidão) com a efígie de Pablo Vittar.
Convencido do contrário, com alguma dificuldade,
disparou:
– “Bem que poderia ser verdade” – disse, desolado, por não poder falar mal dos
desafetos oficiais.
Publicado no Correio Braziliense em 7 de abril de 2023
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