Poesia não tem idade

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Perdão:
Estou predestinado a ser feliz.
Que fazer?
Não sei torturar
Nem quero o poder
A honra não me tenta
Nem o sucesso almejo

São versos de Climério Ferreira. Desmentem Pessoa duplamente: nem todo poeta é
um fingidor, nem toda poesia é transe (o luso culpou a alteração de consciência por fazer 40
poemas em poucas horas).

Melhor ficar com a lição de Ferreira Gullar: “A poesia é, de fato, o fruto/ De um silêncio que sou eu, sois vós/ Por isso tenho que baixar a voz/ Porque se falo alto não me escuto”.
Assim é a poesia de Climério que, quietinho, ajudou a moldar a cultura brasiliense.

Dias atrás o poeta fez 80 anos. A festa vem agora: nesta quarta-feira, dia 12, ele lança
mais um livro, A Música Imóvel do Tempo, no Beirute da 109 Sul, como tem sido recorrente, às 19 horas. Mas poesia não tem idade.

Climério escreve todo dia. Mantém ouvidos e pena atentos e tenta nos convencer que
seu mundo é Angical, a cidade piauiense em que nasceu. Poetas podem se enganar. Dos 80
anos de vida ele já passou 61 aqui; é brasiliense.

Climério é uma voz de Brasília, essa cidade estranha e cativante. Nenhum dos nossos
poetas traduz melhor as contradições que nascem no degredo, da chegada, deslumbramento, estranhamento e ligação passional.

A poesia dele une écloga e concreto lírico (sem concretismo), paixão e serenidade,
contemplação e agitação do poder. São versos musicais, todos parecem ter sido feitos para
cantar, mesmo quando não há uma melodia formal, que flutuam sobre a racionalidade e
funcionam como momentos de pausa – de novo, como as melhores árias e canções.

Recentemente, – como sempre faz – publicou no Facebook:

Apesar dos pesares

Eu às vezes não mereço a esperança que tenho
Nem noto a violência que o mundo insiste em respirar

Creio até que o amor sobreviverá às solidões individuais

E encaro o medo – o meu e o de todos – cara a cara
Para que a emoção da minha crença particular sobreviva

Abro a porta como quem dilacera o coração
Ao notar que a luz que vem do sol traz notícias terríveis

Mesmo assim a esperança dança como a chuva
Molhando meus nervos de uma alegria morna
Que insiste em me dizer que apesar de tudo eu sou feliz

Climério tem feito muitas canções, abastece parceiros diversos com versos
encantadores especialmente feitos para canções… ou não. Com uma série de pequenos
poemas de três, quatro estrofes, a mineira Fernanda Takai fez e gravou O Que Ninguém Diz – “Quase ninguém diz/ Mas cair em tentação/ Pode fazer alguém feliz”.

Poetas – mesmo os que teimam em enxergar felicidade e alegria na balbúrdia da vida – também têm seus medos. O de Climério seria um julgamento pelos parâmetros literários, pela crítica canônica e obtusa, que despreza quem fala pelo coração e não liga para formalismos.

Ainda bem que não precisa. Os versos de Climério são invulneráveis:

Eu anuncio a poesia
A rima, o verso, a cor
A boniteza do dia
A alegria e o amor
(em Reclame)

Paulo Pestana

Publicado por
Paulo Pestana

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