Os bichos soltos

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Não demora muito e Brasília vai passar a ser conhecida como a capital das capivaras. E pelo menos desta vez não tem nada a ver com os antecedentes criminais de burocratas e políticos que eleitores de todo o País mandam para cá – capivara, no mundo jurídico, é sinônimo de folha corrida; quanto mais cabeluda, mais capivarento é o sujeito.

Mas são os bichos mesmo que estão invadindo as áreas habitadas da cidade. Protegidas por lei, não podem ser caçadas; só é permitido o consumo de animais criados em cativeiro. E como no Lago Paranoá não há predadores para esses roedores – as mães só precisam se preocupar com um carcará mais faminto – que se reproduzem facilmente.

E estão cada vez mais soltos e mais ousados, deixando até os limites das agora liberadas margens. À noite, circulam pelos conjuntos dos Lagos sul e Norte, de olho nos gramados e para desespero dos cachorros. Mas é pela manhã que as capivaras fazem a festa nos agora desocupados terrenos que margeiam o Paranoá.

Aproveitam o calorzinho do sol para se deitar e fuçar pelo mato que cresce sem controle. Ariscos, não deixam curioso chegar perto, mergulhando rapidamente, sob comando do macho dominante – há uma hierarquia ferrenha entre eles – e deixando montes de excrementos, que servem como marcação de território.

De longe, o bando fascina os moradores até pela mansidão aparente, embora sejam imensos ratos. Mas as capivaras podem se tornar um grave problema de saúde, porque carregam carrapatos que transmitem doenças como a febre maculosa, que pode matar se não for tratada a tempo.

Dia desses, no Lago Norte, algumas graúnas – ou pássaro preto – acompanhavam um grupo de capivaras; estavam nas costas dos animais maiores a procura de carrapatos. Uma imensa capivara jazia deitada ao sol, olhos fechados, enquanto a graúna esgaravatava os pelos grossos em busca dos pequenos aracnídeos. Sei não, mas deve ser a mesma sensação de tirar um bicho de pé da gente.

Mas as capivaras despertam outros olhares, além da curiosidade de quem passou a frequentar os parques das margens do lago. E são olhares mais gulosos. Alguns pescadores estão variando o cardápio e, mesmo correndo o risco de doença e de prisão, têm armado arapucas em locais frequentados pelos animais.

Eles usam cordas laceadas, que prendem as pernas do animal, quando ele passa por determinada trilha e não consegue escapar – é a mesma armadilha usada para pegar caititu. Os pescadores chegam e saem de canoa; num dia em que os peixes se recusam a sair da água, o jeito é aproveitar a carne da capivara que, pelo jeito, é morta no local da captura, como mostram trilhas de sangue pisado.

Um desses pescadores-caçadores montou sua armadilha no Lago Sul. Para não correr risco com fiscais, ele disse que descarna o bicho na canoa e joga os restos no lago, imaginando que os peixes dão conta de sumir com tudo. Para casa ele leva a carne em cubos e a costelinha, seu pedaço favorito.

Mas em casa ele diz que é porco.

Publicado no Correio Braziliense em 9 de agosto de 2020

Paulo Pestana

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Paulo Pestana

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