O colorido de Brasília brota do chão e desafia a cidade feita em concreto rígido. Mas nem sempre foi assim. Nos primeiros anos da capital, o objetivo principal era plantar grama; por um motivo prático: conter a poeira que subia da terra vermelha, impulsionada pelos lacerdinhas, como eram chamados os redemoinhos.
A nova capital nasceu do cerrado desmatado por correntes amarradas a tratores, que erradicaram as espécies nativas. Havia quem sonhasse com uma vegetação bem mais exuberante, desafiando a geografia, até que milhares de árvores morreram de inanição em meados dos anos 1970 – vítimas do solo fraco em nutrientes.
O conceito de cidade parque foi criado pelo urbanista Lúcio Costa e o paisagismo dos monumentos é fruto da imaginação e ciência de Burle Marx, mas o jardim que extasia quem mora e visita o Distrito Federal hoje não é obra de nenhum dos pais fundadores. As cores só se viabilizaram graças a um cearense da região do Cariri, que chegou à cidade sem saber direito o que veio fazer.
Ozanan Coelho chegou em 1969, já formado engenheiro agrônomo. Na época, os tornozelos e pescoços precisavam ser esfregados com zelo para tirar a crosta de terra que não respeitava meias e colarinhos, tal a quantidade de poeira no ar. Era um desafio ao desejo de Lúcio Costa, que queria que os prédios residenciais da cidade fossem erguidos “como da clareira de uma floresta”.
Se Brasília tem hoje o colorido dos ipês – de todos os matizes – a partir de agosto, a fartura de mangas em outubro, os jamelões de novembro, as jacas de março e as pitangas e amoras de setembro espalhadas pelas áreas verdes, deve a ele. Deve também os balões sempre floridos, que ele desenvolveu por encomenda, depois que o ex-governador Joaquim Roriz voltou de viagem, encantado com os jardins de Washington, capital norte-americana.
Os viveiros mantidos pela Novacap foram formados depois que Ozanan e sua turma fizeram uma intensa pesquisa para saber quais árvores e flores se dariam melhor com o clima radical – entre a seca absoluta e o aguaceiro dos finais de ano – do cerrado. E assim, a partir dos anos 1980, ele mudou – literalmente – a paisagem do Distrito Federal.
Os jardins ainda estão sendo cuidados e milhares de pés de árvores continuam sendo plantados em todas as cidades todo ano, mas ninguém havia se lembrado de render qualquer homenagem ao homem que embelezou a cidade e nos fez respirar melhor. Morto vítima de enfarte fulminante em 2016, Ozanan Coelho parecia esquecido sob a mesma lápide do descaso de outras figuras que ajudaram a construir a história e a cultura brasilienses.
Mas a memória dele não vai se apagar. Na entrada da pista da península do Lago Norte, onde ele morou por décadas, pertinho dos bares do Luizão e do Paulinho, que frequentava com muito comedimento, está sendo erguida uma pracinha com o nome dele. Nos próximos dias, uma estátua do ‘seu’ Ozanan será colocada sentadinha num banquinho. Bem perto de um ipê amarelo que ele mandou plantar.
Publicado no Correio Braziliense, em 27 de setembro de 2020
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