Desde que CDs e DVDs caíram em desuso as festas de fim de ano perderam muito do viço. Trocar bombom não é a mesma coisa. A transformação dos antigos objetos culturais em éter acabou com brincadeiras deliciosas, que revelavam um pouco da personalidade de quem dava e de quem recebia o presente. Ou molecagens ainda mais deliciosas, como embrulhar um DVD de Priscilla, a Rainha do Deserto para o amigo metido a macho.
Hoje é cada um por seu streaming – palavra que assumimos como se fosse português, embora a tradução, transmissão, não deixe nada a desejar – de vídeo ou áudio, com milhares de músicas e filmes à disposição. Pelo menos as pessoas podem agora curtir seu jazz em paz, sem serem acusadas de transfobia por não ter de ouvir o coinchar de Pablo Vittar.
Sobraram os livros. Por mais que os aparelhinhos que armazenam volumes sejam cada vez mais amistosos, ainda não soltam aquele cheirinho de papel-e-tinta e muito menos conseguem manter a cumplicidade que um bom livro traz. Mas um livro – por melhor que seja – nem sempre agrada; pior: as vezes ofende, ainda mais agora que passou a moda dos volumes para colorir ou para ligar os pontos.
O resultado é que muita gente está tentando mudar o conceito de cultura, abrindo a percepção para a enologia. E os vinhos vão assumindo a posição de objeto chique para presente, cada qual com seu grau de tanino, acidez e variedade de notas, o que muda de acordo com o paladar e o olfato do connaisseur, que é o sujeito que tem uma estrela gemadas a mais que o sommelier (que nossos avozinhos lusos chamam de escanção).
Cá para nós, melhor que panetone que, de repente, virou uma tradição brasileira. O consumo médio desse pão velho é de 440 gramas anuais per capita no Brasil e a única coisa que posso garantir é que tem gente comendo quase um quilo desse pão velho – a outra metade cedida por mim. E o panetone também virou item de presente – pena que, como CD ruim, não dá para trocar.
Mas um ano novo está começando. E um sinal de que devemos ter fé no que virá é que as agendas não caíram em desuso; continuam servindo de mimo, embora todo mundo tenha um telefone celular com um aplicativo capaz de substituí-las. Mas rabiscar é preciso; facilita o raciocínio e ser humano garatuja desde tempos imemoriais nas paredes das cavernas. É bom conservar determinadas tradições, numa fase de tantas mudanças para todos.
Ainda mais que as pessoas cada vez mais se escondem em avatares que inventam para brilhar por alguns segundos nas redes sociais; como no tempo da escola, os falsos valentões atacam à sorrelfa. Avatar não tem caráter e parece ser isso mesmo o que se procura nessa tal sociedade fluida, em que grassam os pichadores que, sem talento para criar, são incapazes de apreciar e tentam destruir.
É como disse Oscar Wilde: “O mundo pode ser um palco, mas o elenco é um horror”.
Publicado no Correio Braziliense em 9 de janeiro de 2022
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…