Música para o cérebro

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Vovó costuma dizer que surpresa faz mal ao coração. Mas a música está desmentindo a senhorinha, que normalmente é um poço de razão, a partir das sensações que a música oferece ao ouvinte. Foi exatamente a surpresa que fez uma canção bobinha, Ob-La-Di, Ob-La-Da, dos Beatles, ser considerada a mais perfeita música popular já escrita.

A conclusão é de mais uma dessas listas que aparecem de quando em vez para provocar celeuma. Setecentas músicas gravadas entre 1958 e 1991 foram analisadas com o auxílio de computadores, o que resultou no estudo de 80 mil variações de acordes, tendo como base a imprevisibilidade das mudanças.

Os humanos só entraram na fase final do estudo, mesmo assim com os ouvidos meio tapados e ajudados por uma máquina de ressonância magnética funcional, que mediu a atividade na amígdala, hipocampo e no córtex auditivo, áreas do cérebro que respondem pelo prazer musical. Quanto mais se iluminava, melhor a canção.

Não se ouviu exatamente música. As sequências de acordes foram apresentadas sem letra e sem melodia para que não fossem reconhecidas e pudessem influenciar no julgamento. As surpresas, ou seja, as modulações mais inesperadas, foram responsáveis pelas músicas mais bem avaliadas.

Depois da música dos Beatles, aparecem Invisible Touch, do Genesis, Hooked on a Feeling, de Blue Swede, e I Want You Back, de Jackson Five. O curioso é que, dessas gravações, a única que não chegou ao primeiro lugar da parada da Billboard foi exatamente a dos Beatles.

Os Jackson Five alcançaram a ponta em janeiro de 1970, os suecos Blue Swede em abril de 1974 e os britânicos Genesis em julho de 1986. Ob-La-Di, Ob-La-Da chegaria ao topo, mas sem Beatles e só na Grã-Bretanha, na voz dos Marmalades – a gravadora CBS, sabendo que não seria lançado o compacto (single) dos Beatles com a canção, fez com que o grupo, então iniciante, lançasse. E deu certo, apesar de a gravação ser paupérrima.

Não surpreende que Ob-La-Di, Ob-La-Da seja a única canção da fase adulta dos Beatles que teve a participação de todos os quatro na criação, embora seja registrada como obra de Lennon-McCartney e reconhecida como uma canção do baixista. O título McCartney extraiu de uma expressão que Jimmy Scott, músico nigeriano, vivia repetindo e que, na língua iorubá, significaria “a vida continua” – ‘life goes on’, em inglês.

Paul contou que ele, Harrison e Ringo estavam trabalhando com o ritmo, um ska jamaicano, mas não saiam do lugar. Até que Lennon, atrasado, chegou ao estúdio e perguntou qual era o primeiro acorde; e atacou a introdução com acordes velozes, percutindo o piano. O resultado é que, há exatos 40 anos, a música vem inspirando pessoas.

Ninguém colocou músicas brasileiras em computador para saber se há alguma perfeita, ou que motive mais as pessoas. Seria difícil escolher; talvez uma marchinha caísse bem, embora a música brasileira não trabalhe muito com rupturas para surpreender o cérebro do ouvinte. Mas eu votaria em qualquer uma que me fizesse parar de assoviar o demônio da Caneta Azul.

Publicado no Correio Braziliense em 24 de novembro de 2019

Paulo Pestana

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