Sem aplausos

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O mundo aplaude há pelo menos três milênios. Inicialmente, batíamos palmas para chamar a atenção dos deuses; depois, já na Grécia, os artistas se apropriaram do ato para pedir proteção, no que eram acompanhados pela audiência; em Roma, aplausos serviam de aprovação para discursos políticos – foi quando o incendiário Nero inventou a claque; chegava a levar cinco mil pessoas para aplaudí-lo.

Há outras formas de aprovação, como sorrisos, gritos, acenos, mas é o aplauso que acompanha as manifestações de maior alegria e satisfação desde a mais tenra infância, nas festinhas de aniversário. O aplauso é um gesto universal; até mesmo povos orientais, mais discretos, reverentes, renderam-se à alegria de bater palmas.

Depois de tanto tempo, a gente descobre que nem todo mundo gosta de palmas e, por isso, as Universidades de Manchester e Oxford, ambas na Grã-Bretanha, proibiram a manifestação em debates e palestras realizadas nos campi. Agora, se alguém quiser mostrar aprovação por alguma ideia ou por alguém terá que usar “mãos de jazz”.

Ou seja, terá que sacudir as mãos como faziam os dançarinos – e até alguns cantores – de teatro vaudeville que, para completar os passos, balançavam as mãos e abriam o maior sorriso que a boca poderia suportar. É o mesmo expediente usado pelos surdos.

O motivo apresentado para aplaudir em silêncio, aliás, seria evitar o desencadeamento de ansiedade nos alunos. Assim, alunos autistas, surdos ou com problemas sensoriais (seja lá o que for isso) não teriam mais incômodo com o ruído provocado pelas palmas – não quero ser chato, mas eu tiraria pelo menos os surdos dessa lista; e talvez incluísse os manetas, que estão sendo claramente discriminados.

Obviamente, isso faz parte daquela imensa novela ‘não temos mais o que fazer’ que vem assolando o planeta. No caso dos aplausos, é só mais uma modinha, na sequência ridícula da política (pseudo) correta que, oxalá, vai passar para que possa ser contada como piada no futuro. Ainda bem que nem tudo nas universidades merece aplausos.

Por exemplo, ninguém vibrou com o estudo desenvolvido por três psicólogos americanos, que ensinaram pombos a diferenciar um quadro de Monet de um Picasso. Ou com a tese, aprovada por banca, que mostra que a melhor forma de evitar escorregões no gelo é usar uma meia por cima da bota. E nem com a comprovação científica da famosa Lei de Murphy, feita por um físico inglês, provando que a torrada sempre cai com a manteiga voltada para baixo.

A curiosidade inerente aos cientistas é a única explicação também para a conclusão de que as mulheres piscam mais que os homens – 19 vezes por minuto, contra 11 piscadas masculinas. Hoje também sabemos que ratos gostam mais de ouvir tocatas de Bach do que Sonatas de Beethoven. E que os peixes podem usar os puns para se comunicar.

No mais, as festas de aniversário vão ficar ainda mais insuportáveis. E eu só queria que alguém me explicasse como faremos para cantar o Parabéns Pra Você sem bater palmas. O festival de desafinações agora também terá ritmo atravessado.

Publicado no Correio Braziliense de 1 de dezembro de 2019

Paulo Pestana

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