Esse negócio de efemérides pessoais é uma bobagem. Há cem anos, nascia o fulano, há 30 anos morria o beltrano… têm a mesma importância dessas datas malucas que nos impõem. Por exemplo: dia 18 de janeiro foi o dia internacional do riso. Não sei se ando achando graça em muita coisa para poder mostrar os dentes.
Do mesmo modo, há quatro dias (30 de janeiro) foi o dia da saudade, logo esse tormento dos tradutores, considerada a sétima palavra mais difícil de ser transportada para outro idioma – a pior é ilunga, do idioma tshiluba, do Congo, que descreve alguém disposto a perdoar até uma segunda vez; nunca pela terceira.
Pois eu não comemorei e não soube de ninguém que tenha festejado o tal dia da saudade, como também nem vou ligar para o Dia do Amigo do Facebook, 4 de fevereiro, assim como espero não me lembrar que 28 de fevereiro é dia da ressaca – só me faltava essa: um dia para lembrar do que a gente mais quer esquecer!
Mas em 2020 o Brasil tem obrigação de lembrar os 40 anos da morte de Nelson Rodrigues. A ligação do dramaturgo com Brasília é tênue mas, ao mesmo tempo, arrebatadora como parece ser tudo que o cercava. Esteve na cidade – para usar expressão que popularizou – uma única e escassa vez, quando descreveu primeiramente o caminho, a estrada de Belo Horizonte para a nova capital, “que assombra com seu asfalto interminável e épico”.
Brasília não foi uma das obsessões de Nelson Rodrigues, mas rendeu uma bela crônica-reportagem publicada pela Última Hora, que começa com um pipi à beira da estrada –mocinhas “fazendo de um arbusto o biombo do pudor” – e chega ao encantamento com o pó cor de canela que subia e que, segundo ele, no futuro, teria que ser reproduzido artificialmente. “O pó que curou a asma do Oto Lara Rezende”, escreveu.
Termina com a rendição ao encantamento ao imaginar “o paralelepípedo mais analfabeto teria vontade de chorar lágrimas de esguicho ante a beleza de Brasília” e a ouvir seu dileto inimigo Gustavo Corção confessar: “Esta, sim é a primeira missa do Brasil”.
Nelson Rodrigues traduziu a alma nacional em suas peças, crônicas e romances a partir de aspectos morais, explorando o que há de mais abjeto no ser humano, retratados no cunhado amoral, nas adúlteras, nos desejos e até no espírito sem brio que ele sentia na nação. Numa hora em que os valores estão servindo de estopim político-ideológico, sua obra precisa estar ainda mais presente entre nós para que, nem que seja por meio do ridículo, o país possa novamente se enxergar.
O dramaturgo criou frases provocadoras nesse esforço, mas deve ser ouvido por outras colocações: “Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos”. Lembrando sua morte, quem sabe os brasileiros se convençam que “a grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre, do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”.
Publicado no Correio Braziliense em 2 de fevereiro de 2020
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