Bar fechado é uma desolação. Mesmo se a gente souber que ele vai reabrir em alguns dias. Os botecos contam a história de uma cidade, abrigam os personagens reais que formam a comunidade; é onde o executivo vai sem gravata, o operário tem voz e o político fica de orelha quente. O bar é a tribuna do homem comum, verdadeira fortaleza da cidadania.
Pois o Só Drinks fechou as portas temporariamente, para reformas. Precisava. De novo, ali, só mesmo os televisores que exibem jogos de futebol; o resto andava caindo aos pedaços. Mas isso não diminui o problema: quem frequenta determinado boteco não aceita mudança muito facilmente, há uma relação de dependência envolvida.
O Só Drinks tem a peculiaridade de abrigar a torcida do Botafogo em Brasília – a maldade das torcidas adversárias diz que cabem todos em frente ao balcão – e exibe um enorme escudo do clube carioca na parede externa.
O dono, Nilton, que ganhou o nome como uma homenagem a um integrante do olimpo alvinegro, a enciclopédia Nilton Santos, também é peculiar: não é mal-humorado e trata bem os clientes, ao contrário dos colegas de profissão.
Ainda no campo das características, o bar oferece ainda a comodidade de ter uma farmácia na porta ao lado e as contas podem ser unificadas – é outro negócio do mesmo Nilton. A língua afiada do inimigo diz que são negócios afins: como todo botafoguense seria doente, precisa de cuidados; mas é bobagem – até porque para isso não há cura ou lenitivo que dê jeito.
Mas essa preferência do Nilton em proteger os frascos e comprimidos é o motivo das reclamações dos frequentadores: no período em que durar a reforma, a farmácia continuará aberta – alugou uma loja na mesma entrequadra – e o boteco fica fechado.
A hipótese mais aceita para a decisão do comerciante é que os frequentadores, por serem na maioria botafoguenses, estão ficando mais velhos e, como não há renovação, ele teria preferido atender os companheiros de infortúnio, ou melhor, torcida. Mas é óbvio que esta é a tese de um flamenguista gaiato.
O fato irrecorrível é que há uma penca de frequentadores deslocados da realidade. O fechamento temporário de um boteco, mais do que o definitivo, causa sintomas graves que advém da abstinência. Há quem se comporte como zumbi, perambulando na calçada a procura do boteco perdido, como aconteceu no sábado em que o Botafogo venceu o Fluminense.
O grande desafio do Nilton agora será vencer a superstição atávica e intransferível dos botafoguenses. É que o time, contra todos os prognósticos faz uma boa campanha neste início de Campeonato Brasileiro. E botafoguense é bicho estranho: acredita que vira-lata tem influência no jogo, que se as cortinas da sede do clube não estiverem amarradas é sinal de derrota ou que só é campeão se algum ex-jogador do Flamengo estiver no elenco.
Só falta agora algum espírito de porco tentar ligar uma coisa a outra e dizer que o boteco fechado é sinal que o time vai se dar bem no campeonato. ]
Publicado no Correio Braziliense, em 17 de maio de 2019
Há poucos lugares mais opressivos que sala de espera de médico. Com essas clínicas coletivas,…
Pinheirinhos de plástico com algodão imitando neve, um velhinho barbudo de roupa vermelha, renas do…
A cidade está colorida de novo. Agora são as árvores de cambuís, que vestem as…
Rir é o melhor remédio, diz o bordão popular. Mas certamente isso não se aplica…
Chegara a vez do homem de chapéu. A pele clara e castigada pelo sol tinha…
E agora descobrimos que guardar segredos faz bem à saúde. As tais reservas – desde…